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Morador diz faltar vaga em albergue
DA REPORTAGEM LOCAL
O flanelinha Marcelo Sanches,
32, passou toda a madrugada de
ontem em claro. Tinha medo de
adormecer e ser mais uma vítima
dos ataques a moradores de rua.
Apenas quando o dia amanheceu,
ele teve coragem de cochilar.
Assim como ele, vários moradores de rua ouvidos pela Folha
no centro estão apavorados com
os ataques da última semana e
sem ter aonde ir. Muitos reclamam da dificuldade para achar
vagas em albergues.
"Eu estou desesperado por estar
nessa situação. Na rua, eu passo
fome, agora também passo sono.
Dependo dos albergues e não encontro auxílio. Para proteger a
gente, só Deus", disse Sanches.
Segundo o flanelinha, há dias em
que ele procura uma vaga nos albergues da cidade, sem sucesso.
Oferta e procura
Segundo dados da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), em 2003 havia 10.394 morando nas ruas de São Paulo. De
acordo com a Secretaria de Assistência Social, há cerca de 2.500 vivendo na região central.
Ainda de acordo com a secretaria existem 7.500 vagas em albergues e a ociosidade é quase nula.
"Não existe isso de chegar na
porta do albergue e o cidadão não
ser atendido", diz a secretária de
Assistência Social, Aldaíza Sposati. "Essa ocorrência, se houve, se
trata de inépcia e omissão do funcionário do albergue. É preciso
detectá-lo porque o agente não
pode proceder dessa maneira."
Apesar da diferença entre oferta
e demanda, a prefeitura nega que
faltem vagas. "Temos vagas, sim.
Temos inclusive uma central que
age quando um albergue está lotado e busca uma vaga na rede.
Temos tido sobra de vagas, mas
temos capacidade para uma ampliação diária. Temos estoque de
colchões, de roupas de cama, de
alimentação e de camas de campanha", disse Sposati.
A secretária também afirmou
que não há necessidade de um
plano de emergência para o albergamento. "Nossa ação é contínua.
Nosso serviço é permanente."
Para moradores de rua ouvidos
pela reportagem, ampliar a rede
de moradias provisórias e criar
hotéis populares com diárias a R$
1, como é oferecido no Rio, melhoraria o atendimento.
Outra sugestão é a flexibilização
das regras nos albergues. "Nos albergues têm muitas regras rígidas
para nós. Aí o pessoal acaba preferindo a independência e a liberdade da rua", afirma Cristiano Jorge
do Nascimento, 28, morador de
rua há dois anos. "Só se pode demorar três minutos no banho. Se
chego atrasado, perco a janta."
Apoio psicológico
"Além da assistência social e do
monitoramento, seria importante
que os moradores de rua tivessem
algum tipo de apoio psicológico.
Muitos não conseguem mais lidar
com regras depois de muito tempo nas ruas", afirma o ex-morador de rua Sebastião Nicomedi de
Oliveira, 37. Para ele, isso explica
por que muitas pessoas se recusarem a dormir em albergues.
Essa é a situação do marceneiro
Alan Aparecido Braga, 40, que,
mesmo cadastrado em um albergue, diz dormir todas as noites
com um grupo de 20 pessoas na
avenida Brigadeiro Luís Antônio,
perto de um quartel. Questionado
sobre sua escolha, ele diz que não
quer "cuspir no prato que comeu", mas não gosta de ficar no
albergue. "A pessoa tem que ir lá
para ver qual é a realidade."
O pintor João Victor dos Santos,
22, também deixou de dormir sozinho. "Conhecia o Pantera [Ivanildo Amaro da Silva, morto na
quinta]. Quando vi o corpo dele,
não acreditei. E procurei o pessoal
para a gente fazer essa união."
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