São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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Morador diz faltar vaga em albergue

DA REPORTAGEM LOCAL

O flanelinha Marcelo Sanches, 32, passou toda a madrugada de ontem em claro. Tinha medo de adormecer e ser mais uma vítima dos ataques a moradores de rua. Apenas quando o dia amanheceu, ele teve coragem de cochilar.
Assim como ele, vários moradores de rua ouvidos pela Folha no centro estão apavorados com os ataques da última semana e sem ter aonde ir. Muitos reclamam da dificuldade para achar vagas em albergues.
"Eu estou desesperado por estar nessa situação. Na rua, eu passo fome, agora também passo sono. Dependo dos albergues e não encontro auxílio. Para proteger a gente, só Deus", disse Sanches. Segundo o flanelinha, há dias em que ele procura uma vaga nos albergues da cidade, sem sucesso.

Oferta e procura
Segundo dados da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), em 2003 havia 10.394 morando nas ruas de São Paulo. De acordo com a Secretaria de Assistência Social, há cerca de 2.500 vivendo na região central.
Ainda de acordo com a secretaria existem 7.500 vagas em albergues e a ociosidade é quase nula.
"Não existe isso de chegar na porta do albergue e o cidadão não ser atendido", diz a secretária de Assistência Social, Aldaíza Sposati. "Essa ocorrência, se houve, se trata de inépcia e omissão do funcionário do albergue. É preciso detectá-lo porque o agente não pode proceder dessa maneira."
Apesar da diferença entre oferta e demanda, a prefeitura nega que faltem vagas. "Temos vagas, sim. Temos inclusive uma central que age quando um albergue está lotado e busca uma vaga na rede. Temos tido sobra de vagas, mas temos capacidade para uma ampliação diária. Temos estoque de colchões, de roupas de cama, de alimentação e de camas de campanha", disse Sposati.
A secretária também afirmou que não há necessidade de um plano de emergência para o albergamento. "Nossa ação é contínua. Nosso serviço é permanente."
Para moradores de rua ouvidos pela reportagem, ampliar a rede de moradias provisórias e criar hotéis populares com diárias a R$ 1, como é oferecido no Rio, melhoraria o atendimento.
Outra sugestão é a flexibilização das regras nos albergues. "Nos albergues têm muitas regras rígidas para nós. Aí o pessoal acaba preferindo a independência e a liberdade da rua", afirma Cristiano Jorge do Nascimento, 28, morador de rua há dois anos. "Só se pode demorar três minutos no banho. Se chego atrasado, perco a janta."

Apoio psicológico
"Além da assistência social e do monitoramento, seria importante que os moradores de rua tivessem algum tipo de apoio psicológico. Muitos não conseguem mais lidar com regras depois de muito tempo nas ruas", afirma o ex-morador de rua Sebastião Nicomedi de Oliveira, 37. Para ele, isso explica por que muitas pessoas se recusarem a dormir em albergues.
Essa é a situação do marceneiro Alan Aparecido Braga, 40, que, mesmo cadastrado em um albergue, diz dormir todas as noites com um grupo de 20 pessoas na avenida Brigadeiro Luís Antônio, perto de um quartel. Questionado sobre sua escolha, ele diz que não quer "cuspir no prato que comeu", mas não gosta de ficar no albergue. "A pessoa tem que ir lá para ver qual é a realidade."
O pintor João Victor dos Santos, 22, também deixou de dormir sozinho. "Conhecia o Pantera [Ivanildo Amaro da Silva, morto na quinta]. Quando vi o corpo dele, não acreditei. E procurei o pessoal para a gente fazer essa união."


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