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RACISMO CORDIAL 3
Para norte-americano, quantidade de distinções de tons de pele pode enfraquecer poder de pressão do negro
Historiador estranha poucos negros no país
DANIELA FALCÃO
da Sucursal de Brasília
Três décadas após a aprovação
do Ato de Direitos Civis, que
transformou em crime a discriminação racial nos EUA, o país ainda
está longe de eliminar o racismo
do cotidiano de sua população.
A maior prova disso é a intensidade do debate sobre questões raciais, que ganhou força no ano
passado, com a criação, pelo presidente Bill Clinton, da Comissão
Presidencial sobre Raça nos EUA.
"O dia em que o racismo não for
mais um problema, a necessidade
de ficarmos debatendo o assunto
vai acabar", afirmou à Folha o
historiador John Hope Franklin,
82, presidente da comissão.
Um dos maiores historiadores
negros dos EUA, Franklin foi escolhido por Clinton por ter uma
posição intermediária entre os
dois grupos que polarizam o debate sobre raça -os "otimistas",
que acham que o racismo acabou,
e os "céticos", que negam que tenha havido avanços.
Franklin, que esteve no Brasil a
convite da Fundação Palmares e
da Unesco para participar de seminário sobre a rota de escravos,
disse que ficou surpreso com a
quantidade relativamente pequena de negros no país.
Leia abaixo os principais trechos:
Folha - Os EUA conseguiram virar
um país à prova de racismo?
John Hope Franklin - Embora
muitos colegas achem que sim,
ainda há muito a ser feito. E a melhor prova disso são as milhares de
queixas feitas diariamente. Também não concordo com quem fala
que não houve progresso. Já evoluímos muito, mas não é nada perto do que é preciso ser feito.
Folha - Em que áreas ainda há racismo nos EUA hoje?
Franklin - O negro ainda encontra muita discriminação na hora de comprar casa, no trabalho,
quando quer alugar um carro. Nas
escolas em que maioria dos alunos
é branca também há pressão para
que negros não sejam matriculados. Mas a pior discriminação é
feita pelos professores. Eles esperam menos dos alunos negros. Ou
seja, a criança negra já começa em
desvantagem, porque, se os professores cobram menos, os alunos
terminam rendendo acreditando
que têm menos potencial.
Folha - Ainda é difícil para o negro competir com o branco no
mercado de trabalho?
Franklin - É, sobretudo em algumas funções. Eu digo que os
EUA têm um telhado de vidro que
impede negros e mulheres de exercer determinadas funções. Mesmo
em meios em que os negros são
maioria, como nos esportes, há
uma barreira que impede que cheguemos aos cargos que exigem,
teoricamente, maior habilidade
intelectual, como os de empresários e dirigentes. Até pouco tempo
atrás, o negro quase não tinha espaço no mercado financeiro e no
alto escalão do governo.
Folha - Há três anos, o livro "A
Curva do Sino" trouxe de volta o
debate sobre a possibilidade de os
brancos terem Q.I. maior do que o
dos negros. O sr. ficou surpreso
com o sucesso do livro?
Franklin -Muito, ele virou best
seller. Perdi noites de sono tentando descobrir por quê. A conclusão,
triste, a que cheguei é que muitas
pessoas compraram esse livro porque ele validava o ponto de vista
que elas tinham.
Folha - A existência de leis que
punem quem comete atos racistas
ajuda a mudar essa mentalidade?
Franklin -Só adianta se houver
uma estrutura judicial bem montada, que agilize a apuração das
queixas e puna os culpados. O problema dos EUA é que são feitas milhares de queixas por mês e o departamento encarregado de apurá-las não tem pessoal suficiente.
Folha - O sr. é a favor da ação
afirmativa (cotas que privilegiam a
contratação ou a admissão em universidades de minorias)?
Franklin -Sou totalmente a favor. Não acho que o desempenho
acadêmico em testes deva ser o critério mais importante de admissão
numa universidade, há outros fatores que devem ser levados em
conta, e o fato de pertencer a um
grupo minoritário é um deles.
Principalmente se o aluno estiver
buscando a vaga em uma profissão
em que é minoria. A ação afirmativa está quebrando um ciclo de preconceito, por isso é válida.
Folha - O sr. acha que o racismo
do Brasil é muito diferente?
Franklin -Fiquei surpreso na
minha primeira visita ao Brasil
com o número relativamente pequeno de brasileiros de pele realmente escura, como a minha. Vi
outras tonalidades mais claras.
Também achei estranha a quantidade de distinções de tons de pele
que vocês fazem. Nos EUA, não interessa o tom da sua pele, se há pelo menos uma gota de sangue africano, mesmo que sua pele seja
branca como a neve, você é considerado negro. Temos uma linha de
separação entre as raças bastante
rígida. Acho isso um pouco estúpido, mas ao criar tantos nomes diferentes para tons de pele, vocês
correm o risco de enfraquecer o
poder de pressão dos negros.
Folha - Há outras diferenças?
Franklin -A principal diferença
é o fato de ter havido miscigenação
no Brasil desde o início da colonização. Os portugueses vieram para
o país sem suas mulheres e, logo
que chegaram, começaram a se
misturar com índias e escravas negras. Já os ingleses vieram com as
mulheres para reproduzir nos
EUA a estrutura familiar européia.
A miscigenação era pecado, porque era sinal de que havia ocorrido
traição no casamento. A criança
mestiça nascia duplamente estigmatizada. O casamento inter-racial só foi tornado legal há 30 anos.
Vai levar ainda um tempo até a sociedade americana ser tão miscigenada quanto a brasileira.
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