São Paulo, terça, 23 de setembro de 1997.



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OPINIÃO
Convênios e exclusões

VICENTE AMATO NETO
e JACYR PASTERNAK
É a quarta vez que efetuamos considerações sobre esse assunto. Pobres de nós, pois julgamos que uma ou duas vezes seriam suficientes e que, depois, aconteceriam modificações. Ledo engano.
As organizações empresariais, tais como de medicina de grupo e cooperativas médicas, continuam redigindo seus contratos de forma a excluir doenças transmissíveis, por vezes contagiosas. E o fazem com arte. Antigamente, o documento era impresso em letras tão miúdas que nem o melhor oftalmologista punha o cidadão em condições de decifrá-lo.
Depois que os serviços de defesa do consumidor proibiram isso, os doutos rábulas que assessoram essas organizações desenvolveram outra técnica, baseada na redação artística. Escrevem no contrato que ele não cobre epidemias ou doenças contagiosas "da responsabilidade do Estado", e o interessado acredita e aceita.
Eles admitem que o dito Estado, competentíssimo, eficientíssimo e bem organizado, encarrega-se de atendê-los, salientando ainda que epidemias não ocorrem com frequência, porque a estrutura governamental defende-nos delas.
Acontecem aqui duas malandragens. Quem define as doenças "de responsabilidade do Estado?" O fato de este ter programas de atenção ao sarampo ou à Aids, por exemplo, não torna todo o atendimento resolvido. É o famoso contrato leonino: uma das partes impõe cláusulas sem que a outra possa negociá-las. Mais uma safadeza é dizer o que é epidemia. Quem define isso? As empresas, é claro.
Nosso primeiro artigo era, reconhecemos, excessivamente paternalista. Julgamos que as empresas eram as únicas culpadas por esconder as muitas exclusões dos seus planos, com resultados dramáticos. Isso continua valendo, pois só na hora da doença é que o usuário descobre que pagou por muito tempo para ter cobertura e, ao precisar, está descoberto.
Nesse ponto, nossa visão hoje é um pouco diferente. É inadmissível que alguém assine acordo de assistência médica sem saber exatamente o que está comprando.
Conclamamos nesta quarta vez (e apostamos que haverá uma quinta) os que se associam aos planos a exigir uma cláusula aditiva clara, cristalina e evidente, cobrindo todas as doenças transmissíveis. O contrato-padrão não precisa ser necessariamente cumprido, mas o de adesão pode e deve ser negociado, além de personalizado. Há muitas organizações vendendo planos. Se os consumidores quiserem, elas terão de fazer o que eles almejam. Se uma empresa não concordar, recomendamos aos interessados que procurem outra.


Vicente Amato Neto, 67, infectologista, é professor-titular do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

Jacyr Pasternak, 53, infectologista, é médico da Divisão de Clínica e Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da USP.



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