São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 2005

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URBANIDADE

Cemitério Cor

Formada em artes plásticas pela Faap, Fernanda Saguas conseguiu estabelecer uma ligação estética entre a Casa Cor, onde se exibe o que há de mais sofisticado em decoração, e jovens presos transformados em arte. Nesta semana, a experiência acabou num cemitério.
Em 1999, Fernanda enfiou-se na Febem do Tatuapé e trabalhou com alguns de seus internos o tema "biografia". O tema a levou a discutir sobre a falta de identidade de quem não se sente respeitado -uma das razões para mais uma rebelião ocorrida, ontem, naquela unidade da Febem, com saldo de 55 feridos. Não apenas cada um teria de refletir sobre sua própria vida mas encaixá-la numa linha do tempo. "Estávamos influenciados pela virada do milênio, e isso estimulava a discussão sobre a história." Para aprofundar as reflexões e a sensação de que poderiam desenvolver uma identidade, eles fizeram máscaras de cerâmica moldadas nos rostos. "Queríamos que eles saíssem da invisibilidade. Afinal, os rostos deles não poderiam aparecer nos jornais, exceto com tarjas", conta Fernanda.
O que impressionou Fernanda Saguas foi a animação dos adolescentes esculpindo as máscaras em seus colegas, cujas faces estavam cobertas de massa. Viu ali um prazer do toque sutil, inédito para todos. "A arte tem esse poder mágico."
Trabalho terminado, foi feito um muro, em 2000, na Casa Cor, com todos aqueles rostos anônimos enfileirados, como se testemunhassem, silenciosamente, o desfile das celebridades e das roupas de grife. Acabou a exposição, a obra foi devolvida e ficou guardada num porão, tão anônima quanto seus inspiradores. "Parecia mesmo um destino previsível."
Na semana passada, as máscaras, como muitos dos internos da Febem, acabaram no cemitério, com a diferença que, dessa vez, para comemorar a vida. Está sendo realizada uma experiência que reúne artistas plásticos, entre os quais o renomado José Roberto Aguilar, para fazer do cemitério São Paulo, em Pinheiros, uma espécie de ateliê a céu aberto; os espaços são ocupados por peças de cerâmicas, algumas delas elaboradas por pichadores, que buscam estilizar suas letras.
Duas esquinas da avenida Henrique Schaumann receberam as máscaras dos adolescentes da Febem, resgatando do anonimato a obra de Fernanda e, junto, o anonimato dos modelos. "Pelo menos ali ficarão visíveis para sempre."


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