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INCULTA & BELA
Mudança estratégica
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Já comentei neste espaço a
questão da correlação verbal.
Trata-se da necessidade de
ajustar o tempo e o modo de
uma forma verbal aos de outra
da mesma frase. Algo como "Se
chover, não sairei de casa"/"Se
chovesse, não sairia de casa".
O futuro do subjuntivo se
ajusta ao futuro do presente
("chover/sairei"); o imperfeito
do subjuntivo, ao futuro do
pretérito ("chovesse/sairia").
Pois bem. Na bela São Luís
(MA), três crianças que recebiam soro acabaram ganhando um presente indesejado: as
agulhas, que misteriosamente
migraram corpo adentro.
Um funcionário da empresa
que fabrica as agulhas foi veemente: "Se ficar comprovado o
defeito de fabricação, a empresa se responsabiliza...ria".
Com as reticências, tento reproduzir o lapso do funcionário, que dava toda a pinta de
que iria terminar a frase com o
correlato futuro do presente
("responsabilizará").
O lapso a que me refiro tem
duplo sentido ("intervalo" e
"engano", como confirma
qualquer dicionário). A perda
da veemência e a estratégica
troca do gramaticalmente correto futuro do presente pelo futuro do pretérito não foram casuais. O falante trocou a certeza do primeiro (e o consequente compromisso assumido publicamente) pela volatilidade
do segundo, que as pessoas
mais velhas, por sinal, ainda
chamam de "condicional".
Na semana passada, afirmei
que não está em vigor o Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em
16 de dezembro de 1990.
Vários leitores escreveram,
surpresos com a notícia. Um
leitor de Taubaté (SP) chegou a
citar o Decreto Legislativo nº
54, de 18 de abril de 1995 (subscrito por José Sarney, à época
presidente do Senado Federal),
que aprova a reforma proposta
pelo Acordo.
Repito aqui o que afirmei por
telefone a esse gentil leitor: o
decreto de fato existe, mas o
Acordo não está em vigor porque seu artigo 3º diz que "O
Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa entrará em vigor
em 1º de janeiro de 1994, após
depositados os instrumentos de
ratificação de todos os Estados
junto do Governo da República
Portuguesa".
Detalhe: os tais instrumentos
ainda não foram depositados,
como esclarece a "Nota Explicativa" da última edição do
"Vocabulário Ortográfico da
Língua Portuguesa", da Academia Brasileira de Letras, editado em 1998.
Conclusão: o Acordo ainda
não vigora, e ninguém sabe se
um dia vigorará. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
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