São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 2000


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INCULTA & BELA

Mudança estratégica

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Já comentei neste espaço a questão da correlação verbal. Trata-se da necessidade de ajustar o tempo e o modo de uma forma verbal aos de outra da mesma frase. Algo como "Se chover, não sairei de casa"/"Se chovesse, não sairia de casa".
O futuro do subjuntivo se ajusta ao futuro do presente ("chover/sairei"); o imperfeito do subjuntivo, ao futuro do pretérito ("chovesse/sairia").
Pois bem. Na bela São Luís (MA), três crianças que recebiam soro acabaram ganhando um presente indesejado: as agulhas, que misteriosamente migraram corpo adentro.
Um funcionário da empresa que fabrica as agulhas foi veemente: "Se ficar comprovado o defeito de fabricação, a empresa se responsabiliza...ria".
Com as reticências, tento reproduzir o lapso do funcionário, que dava toda a pinta de que iria terminar a frase com o correlato futuro do presente ("responsabilizará").
O lapso a que me refiro tem duplo sentido ("intervalo" e "engano", como confirma qualquer dicionário). A perda da veemência e a estratégica troca do gramaticalmente correto futuro do presente pelo futuro do pretérito não foram casuais. O falante trocou a certeza do primeiro (e o consequente compromisso assumido publicamente) pela volatilidade do segundo, que as pessoas mais velhas, por sinal, ainda chamam de "condicional".
Na semana passada, afirmei que não está em vigor o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990.
Vários leitores escreveram, surpresos com a notícia. Um leitor de Taubaté (SP) chegou a citar o Decreto Legislativo nº 54, de 18 de abril de 1995 (subscrito por José Sarney, à época presidente do Senado Federal), que aprova a reforma proposta pelo Acordo.
Repito aqui o que afirmei por telefone a esse gentil leitor: o decreto de fato existe, mas o Acordo não está em vigor porque seu artigo 3º diz que "O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1º de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa".
Detalhe: os tais instrumentos ainda não foram depositados, como esclarece a "Nota Explicativa" da última edição do "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", da Academia Brasileira de Letras, editado em 1998.
Conclusão: o Acordo ainda não vigora, e ninguém sabe se um dia vigorará. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br


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