São Paulo, quarta-feira, 24 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GILBERTO DIMENSTEIN

Lambendo as feridas


Viram nos lambe-lambes um meio de expandir suas criações com um conhecido recurso artesanal

O OFÍCIO de Maurício Pereira Campos, 74, estava definitivamente condenado pelo tempo. Nos fundos de uma casa, transformada numa gráfica, ele ainda usava tipos móveis de madeira, encaixados em uma impressora do começo do século passado. Não bastasse a defasagem tecnológica, a lei Cidade Limpa atingiu seu principal produto: os cartazes do tipo lambe-lambe, esses que são grudados nos muros. Além de tudo, a especulação imobiliária o obrigou a deixar a região de Pinheiros (zona oeste) e o jogou na periferia. "Quase desisti", admite. Agora, ele está sendo salvo por improváveis clientes: os grafiteiros.
Quando tinha 17 anos, ele chegou a São Paulo e foi trabalhar numa gráfica na Mooca, na zona leste. Os gráficos eram quase todos italianos e foi com eles que aprendeu as artes do ofício. "Adoro o cheiro de tinta, tocar nos tipos e ver as folhas saindo uma por uma da máquina", conta.

 

Na década de 80, aquele tipo de máquina já era peça de museu. Mas ele conseguiu encontrar emprego nos fundos de uma casa na Vila Madalena -na rua Fidalga, n.º 490. As más notícias foram vindo ao mesmo tempo. A lei Cidade Limpa diminuiu seus negócios e, por causa da valorização do bairro, o imóvel foi vendido. "Pensei que tivesse acabado". Não haveria comprador nem mesmo para a impressora -talvez, quem sabe, um colecionador.
Foi aí que apareceram os grafiteiros, que viram a chance de fazer arte nos lambe-lambes. Perceberam que ali estava um meio de expandir suas criações, utilizando um recurso artesanal em comum: a habilidade de mexer nos muros da cidade.

 

A galeria Choque Cultural começou a encomendar trabalhos para a gráfica, além de ensinar a Maurício novas técnicas. Depois, ele passou a fazer livros. "Nós o estimulamos a não fechar a gráfica", conta Baixo Ribeiro, criador da Choque Cultural.
A gráfica saiu do bairro, mas está sobrevivendo no Campo Limpo, na zona sul -o que significa, para Maurício, passar mais de três horas por dia num ônibus. "Enquanto der, vou ficando, não quero me aposentar."
Ele já tinha muita saudade da Mooca dos italianos e, agora, tem saudade da Vila dos artistas.

 

Mas, neste final de semana, ele terá uma rápida volta triunfal. Como ocorre uma vez por ano, os ateliês ficarão abertos à visitação durante o "Arte da Vila". Não apenas os cartazes fabricados por Maurício terão um espaço exclusivo, onde ocorrerão oficinas de lambe-lambe, como também, no entorno, alguns dos melhores grafiteiros da cidade farão intervenções em muros.

 

PS - Coloquei na internet (www.catracalivre.com.br) as imagens de alguns dos cartazes e um ensaio fotográfico da oficina de Maurício -a própria oficina já é uma instalação de arte.

gdimen@uol.com.br


Texto Anterior: Forenses
Próximo Texto: A cidade é sua
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.