São Paulo, Sábado, 24 de Abril de 1999
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Juízes abrem espaço para discussão

EUNICE NUNES
especial para a Folha

De uns anos para cá, ainda que lentamente, tem havido mudanças no comportamento dos juízes. Eles têm falado mais sobre seus assuntos internos e até sobre política.
"Antes, isso era impensável", diz o advogado Ives Gandra da Silva Martins, especialista em direito econômico. Edgard Silveira Bueno, ex-juiz federal e hoje advogado, diz que a nova atitude decorre do exercício da democracia, que levou ao surgimento de associações de classe mais independentes.
Rubens Approbato Machado, presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), concorda. "Individualmente o juiz ainda não se manifesta. Acha que pode perder a imparcialidade. Mas já consegue posicionar-se com maior liberdade por meio das entidades de classe", diz.
Exemplo disso é um editorial do jornal da associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp), que critica o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a via processual adequada à compensação de créditos tributários, consolidado nas recentes súmulas 212 e 213.
A súmula 212 diz que a compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar. E a 213, que o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária. Para a Ajufesp, as duas súmulas são pouco técnicas e incompatíveis entre si.
Segundo o editorial, o STJ desfigurou o mandado de segurança. Nesse tipo de ação, o juiz ampara o direito pleiteado pelo autor mediante uma ordem à autoridade que o desrespeitou. A súmula 213, diz a Ajufesp, transforma essa ordem numa mera declaração, e a 212, ao proibir a liminar, atinge a essência do mandado de segurança como proteção contra ameaça iminente ao direito.
E mais. A associação diz que, enquanto não houver a obrigação de aplicar "servilmente" as súmulas dos tribunais superiores, caberá aos juízes procurar em cada caso concreto demonstrar que, no mínimo, uma das súmulas não pode ser aplicada. Apesar do tom do editorial, os juízes de primeira instância negam que haja descontentamento com a cúpula e o STJ diz não ver insubordinação da base.
"O exercício de crítica, de forma aberta, é saudável. Nesse caso específico, trata-se de apontar a incoerência das duas súmulas e mostrar que tribunal também erra, alertando para o perigo das súmulas vinculantes", diz o juiz Maurício Kato, presidente da Ajufesp.


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