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Passageiros criam kits "relaxa e goza"
Para seguir recomendação da ministra Marta Suplicy, vítimas do caos aéreo se divertem com revistas, iPods e piadas
Em São Paulo e no Rio, eles dizem tentar colocar o conselho em prática; tem quem apele até para técnicas de relaxamento
DANIEL BERGAMASCO
DA REPORTAGEM LOCAL
ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO
"Relaxa e goza!!!", gritava a
rodinha de decepcionados na
sala de embarque do aeroporto
de Cumbica, em Guarulhos
(Grande São Paulo), quando, às
2h30 da madrugada de sexta-feira, uma funcionária anunciou que o vôo para Recife só
sairia às 11h40 da manhã.
"E isso porque o primeiro horário era 22h20", reclamava a
fisioterapeuta Caroline Duarte,
26, que tentou manter o bom
humor. "Obedeci a ministra",
brinca, aos risos, em referência
à já histórica frase de Marta Suplicy, titular da pasta do Turismo, sobre o caos aéreo ("Relaxa
e goza, porque você esquece todos os transtornos depois").
O kit "relaxa e goza" de Gabriela era improvisado: algumas bananas para o lanche e
um saco de lixo de 40 litros fazendo as vezes de lona. "Superdesconfortável, né?"
Já a professora Charmaine
Queiroga, 34, se equipou melhor: "Estou com um iPod para
mim, outro para o meu filho, videogame, Gameboy, uma cruzadinha, dois livros e várias revistas. Venho dos Estados Unidos e tenho de fazer conexão
em São Paulo para o Recife. Sabia que estava atrasando e decidi me precaver", diz.
A frase de Marta tem feito escola. Em uma mesa da Pizza
Hut do aeroporto, o casal Ana
Maria e José Martins Guedes
mais a amiga Teresa Scaraboto
tomam um chopinho às 11h.
"Vamos para Ilhéus e estou tão
feliz que nada vai tirar meu
bom humor", diz Ana Maria.
"Viemos no espírito da Marta. Um padre amigo nosso não
pôde vir porque, se o vôo atrasasse, seria pecado", brinca José, ainda de bom humor.
E já que o atraso é inevitável... Rumo a Nova York, em
lua-de-mel, João Moura Jr. e
Bruna improvisaram uma cama no aeroporto: acomodaram-se entre os bancos e as malas. "É superdesconfortável,
mas não tem outro jeito", diz
ele, que ainda não sabia se o seu
vôo iria atrasar.
Bíblia e Paulo Coelho
Junio Miguel, 16, que viaja a
Londres para intercâmbio, levou uma Bíblia. "Pulei várias e
várias partes e agora já estou no
Apocalipse", diz ele.
O amigo Deivid Oliveira, 23,
lia "O Alquimista", de Paulo
Coelho. "Não é nada, assim,
tãããão interessante, mas quebra o galho", comenta.
E o saldo do relaxa e goza na
drogaria do aeroporto: "Viagra
e preservativo não tiveram aumento de procura. A venda de
remédio para dor de cabeça aumentou 30%", informa o farmacêutico Enivaldo Nogueira.
Enquanto alguns passageiros
se descabelam discutindo com
funcionários das empresas aéreas e da Infraero a cada capítulo do caos aéreo que abate aeroportos do país, no Rio de Janeiro, também há quem tente seguir parte do conselho da ministra e, assim, relaxar.
A fisioterapeuta Deise Duarte, 50, considera a sugestão da
ministra "totalmente fora de
propósito", mas usava técnicas
para relaxar durante as 12 horas que ficaria no Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim (Galeão), no Rio.
"Acabo usando meus conhecimentos para passar o tempo.
Faço exercícios, alongamentos
para agüentar", disse ela, girando a cabeça como exemplo. Segundo ela, a espera prejudica
articulações e a circulação de
sangue. "É bom não ficar sentado o tempo todo", lembra.
Ela foi buscar a filha Rayana
Duarte, 17, que havia chegado
dos Estados Unidos e, juntas,
seguiriam para Vitória (ES).
Duas horas antes do horário
inicialmente previsto para o
embarque, a companhia já tinha avisado que haveria atraso
de, ao menos, uma hora.
Preparadas, elas tiraram um
laptop da mala de Rayana para
ver as centenas de fotos tiradas
durante os seis meses em que a
estudante ficou nos Estados
Unidos. "A gente toma um cafezinho, caminha, vê a vitrine de
algumas lojas e espera o tempo
passar", disse Deise.
Algumas lojas tiveram aumento nas vendas desde o início do caos aéreo nos aeroportos. Outras, nem tanto. A vendedora de um quiosque de perfumaria do Galeão, Denise
Abranches, 40, afirma que as
vendas não aumentaram, mas
muitos "passam para dar uma
olhadinha". "Acaba sendo uma
oportunidade para mostrar os
nossos produtos", diz.
Leitura é outro recurso utilizado pelos passageiros que optam por relaxar durante a espera com tempo indeterminado.
Com vôo marcado para Curitiba (PR) às 18h e, duas horas antes, já com um atraso previsto
de uma hora, a empresária Suzy
Garofani, 50, muniu-se de revistas de jardinagem para matar o tempo. Três revistas.
"Isso mostra como não estou
nada otimista em relação à saída do meu vôo", disse. "Estou
com um livro na mala, mas revista é uma leitura mais leve,
mais adequada para estes momentos de tensão", sugeriu.
Brincadeiras com os filhos
Para três vendedores de assinaturas de revistas, cujo quiosque fica em frente à entrada para a sala de embarque, os passageiros parecem não querer relaxar com a leitura.
"Tem muita gente que sai da
fila de check-in e acaba discutindo com a gente, descontando. Acaba que não mudou nada
na venda de assinaturas", comentou Fabiana Paz, 22.
Um dos maiores desafios é
distrair as crianças. Acompanhada dos quatro filhos, a autônoma Alessandra Oliveira, 32,
descansava após brincar com
os filhos enquanto esperava o
embarque para Fortaleza -até
as 15h de quinta-feira, cinco horas atrasado. "A gente pega esses carrinhos, corre, brinca, grita. Tudo para distrair as crianças. Senão não tem jeito."
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