São Paulo, Sábado, 24 de Julho de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Montoro: ideais de um estadista

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

O parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal, redigido por André Franco Montoro, deu à Carta as condições necessárias para acolher o mercado comum latino-americano, formado inicialmente por Argentina, Paraguai e Uruguai, unidos ao Brasil. O parágrafo afirma a vocação latino-americana de nosso país na busca da integração comunitária, econômica, política, social e cultural dos povos desta parte do planeta.
O parágrafo é exemplo isolado entre os muitos nos quais se colhem traços do perfil de Montoro. Homem político, conhecia os aspectos práticos relacionados com a composição dos interesses contrários, mas sem sacrificar sua visão dos valores culturais, sociais, econômicos, do superior interesse coletivo, como se vê no texto mencionado. Eu o conheci no fim dos anos 60. Depois o vi como seu aluno, na obtenção de um dos créditos de pós-graduação, como colega de magistério, na PUC-SP, e como companheiro eventual em seu trabalho do Ilam (Instituto Latino-Americano), na discussão de projetos específicos. Em todos os momentos sempre foi presente sua preocupação com o ajuste do jurídico ao bem comum.
O sentido transformador do direito, afastado da visão estática e formal, foi defendido por Montoro como elemento de aperfeiçoamento da sociedade, em seus conflitos e contradições, considerada como um todo e não apenas, como tantas vezes se vê, a benefício dos mais aquinhoados. Para ele, como escreveu em um dos prefácios de "Introdução ao Estudo do Direito", sua obra clássica, com dezenas de edições, o jurídico agora se identifica, como nunca, com a própria defesa da civilização e dos valores humanos.

Para Montoro, o direito é fator de transformações institucionais da sociedade.



Montoro foi mais do que jurista, professor e político nas áreas do Executivo e do Legislativo, mas assumiu o papel preponderante de estadista, integrado à verdadeira elite social deste país. Verdadeira, porque distinta da elite aristocrática ou da econômica, mas democrática, composta originariamente pela escolha do povo e alcançada, em seguida, pela severidade das posições assumidas.
Não há contradição entre considerar Montoro exemplar democrata e, ao mesmo tempo, colocá-lo na elite da classe política. Elite e democracia não se opõem quando valorados adequadamente. Norberto Bobbio, ao examinar a teoria das elites, reconhece que as relações de desigualdade que se formam nas sociedades organizadas tendem, inexoravelmente, a concentrar o poder político em mãos de uma minoria. Há, porém, minorias de poder, concentradas, e minorias democráticas, de integração das idéias, nas quais surge em destaque a posição de Montoro.
Montoro, estadista e jurista, examinou o direito como elemento de transformação da sociedade. Estadista à moda do inglês "statesman", que o Webster define como a pessoa que mostra sabedoria e habilidade na condução dos negócios do governo e no tratamento dos assuntos de interesse público. Encarou o sistema jurídico como fenômeno do poder social, em cuja complexidade deve nascer o direito vigente. Para ele, como se lê em vários de seus escritos, o direito é mais que elemento de conservação de estruturas sociais, mas necessariamente fator de instrumento promocional de transformações institucionais da sociedade. Assim pensava e agia, convencido, em suas próprias palavras, de que "reduzir o direito a uma força conservadora é perpetuar o subdesenvolvimento e o atraso".


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