São Paulo, Domingo, 24 de Outubro de 1999
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Pais usam os cadernos para fazer cigarros

da Agência Folha, em Jacundá

e em Nova Ipixuna (PA)

Cadernos doados aos estudantes da rede pública na zona rural no sul do Pará estão virando fumaça nas mãos de pais de alunos, que usam as folhas para confeccionar a "porronca", cigarros feitos com fumo de corda.
Na região de Marabá, o problema ficou tão grave que, além de professores, secretarias municipais da Educação e até vereadores foram obrigados a intervir.
Filhos de pais fumantes, segundo constataram as autoridades, utilizam até duas vezes mais cadernos que os filhos de não-fumantes.
"Brochuras com 100 páginas ficam com 50 ou 60 em um mês", disse a secretária da Educação de Nova Ipixuna, Rosemere Fernandes de Resende.
A pobreza das famílias, a falta de esclarecimento e a distância entre as moradias e os centros urbanos são apontadas por Rosemere como as principais causas do problema.
"Fizemos até uma reunião para explicar que fumar o caderno das crianças prejudicava o aprendizado delas", disse Rosemere. "Um pai de aluno ficou furioso e tirou o garoto da escola."
O menino só voltou a estudar 15 dias depois. Para convencer o pai, a secretária foi obrigada a ir até a casa do estudante, localizada a cerca de 50 quilômetros da cidade, acompanhada de vereadores.
Os alunos reclamam da atitude dos pais e alguns escondem os materiais escolares em casa. "Guardo meu caderno no meio dos livros, porque ele começou a ficar fino", disse Ralmany Ribeiro de Santana, 14, aluno da 4ª série da escola "Altamira 7", em Nova Ipixuna.
Sua colega Elesandra Lima dos Santos, 11, que cursa a 2ª série na mesma escola, também esconde o material do pai para poder estudar. "Eu pedia para ele não fumar meu caderno, mas não adiantava nada", afirmou.
O caderno de Elesandra, de 12 matérias e 144 páginas, tem hoje cerca de 70 páginas. Com a ajuda da mãe, que não é fumante, ela guarda hoje o que restou do material debaixo da cama.
Segundo a menina, a tática funcionou. "O pai ficou nervoso e quando foi para a cidade fazer compras trouxe um caderno só para ele", disse.
Elesandra e Ralmany são filhos de lavradores. Moram no meio de uma floresta, a cerca de 80 quilômetros da cidade. No local não há transporte coletivo e as viagens dependem de caronas oferecidas por madeireiros da região. (FÁ BIO GUIBU)


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