|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
Sinal de cretinice
Graças aos novos recursos tecnológicos, as máquinas aprimoraram as fotografias do cérebro,
lançando descobertas sobre seu
funcionamento -inusitados detalhes dessas fotos mostraram a
importância de estimular por
meio de jogos, brincadeiras e conversas as crianças de 0 a 3 anos de
idade.
Cientistas viram como esses estímulos produzem conexões cerebrais nas crianças, capacitando-as melhor ao aprendizado e desenvolvendo a inteligência. Essas
conexões seriam algo semelhante
a uma musculatura.
Essas descobertas incitaram, em
várias partes do planeta, governantes a pensar estratégias para
estimular e enriquecer o capital
humano, investindo mais na educação dos bebês e das crianças na
fase da pré-escola.
Uma tarefa complexa: envolve,
ao mesmo tempo, melhorar o
atendimento da família e conscientizá-la de seu papel na formação da criança.
É uma consequência absolutamente óbvia -a riqueza de uma
nação está na riqueza de seus cérebros.
As estatísticas oficiais revelam
que no Brasil vivemos uma calamidade pública quando analisados os números do atendimento
da faixa etária de 0 a 6 anos -esse período abrange o que se convencionou chamar de educação
infantil.
Apenas alguns indícios do descalabro. Em 6.174 pré-escolas,
atendendo mais de 120 mil crianças, não existe, pasmem, abastecimento de água.
Não há luz elétrica em 20% dos
estabelecimentos -significa que
ali não entra uma televisão, muito menos um computador.
Pior ainda: quase 60% das
crianças vão a escolas sem sistema sanitário adequado.
Cerca de 73% das pré-escolas
não dispõem de parque infantil;
sabe-se lá onde e como brincam.
Para resumir, basta saber que,
no ano passado, houve 200 mil
matrículas a menos na pré-escola.
A situação é tão ou mais grave
nas creches, fase inicial da educação infantil. São, em essência, depósitos humanos fora das prioridades públicas.
Apenas 800 mil crianças são
atendidas nas creches -e, pior,
com péssimo atendimento. De 0 a
3 anos, estima-se que existam 12
milhões de brasileiros.
Raros temas são tão importantes para o desenvolvimento social
do país. E raros temas são tão esquecidos -o que demonstra uma
pasmaceira coletiva.
Importante porque, como demonstram as descobertas científicas, cultivar crianças nessa faixa
etária é decisivo para o aprendizado; as nações mais ricas já sabem e investem em programas.
Portanto, perdemos espaço na
guerra da produtividade; estamos, assim, atirando em nosso
próprio pé.
Mais importante -e, mais
uma vez, óbvio- é que o atendimento dessa faixa etária serviria
como política compensatória à
pobreza.
No Brasil, crianças cuidam de
crianças; os pais passam o dia fora, em busca de sustento.
A falta de estímulo durante a
primeira fase da vida já coloca os
mais pobres com as chances danificadas; chances que vão, ano a
ano, se perdendo, numa contagem regressiva.
Os dados oficiais indicam que,
cada vez mais, a mulher se vê
obrigada a assumir a chefia da
família, beirando o desamparo;
creche ou pré-escola diminuiria o
desamparo.
Só vamos sair da pasmaceira
quando se pensar em educação
desde o momento em que a criança nasce -exatamente como
ocorre com as crianças mais ricas.
PS - É surpreendente como a
imensa maioria das lideranças
sindicais não consegue colocar
em seu discurso a obsessão pela
educação.
É nas escolas públicas que estudam os filhos dos trabalhadores; é
ali onde se vai decidir a chance ou
não de progresso daqueles meninos e meninas.
Sem ofensa: é mais um eloquente sinal da ignorância brasileira.
E-mail: gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Artigo - Miguel Srougi: O câncer da próstata e o motel da praia do Francês Próximo Texto: Acidente: Construtora nega falta de manutenção Índice
|