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Pais de garoto morto não falaram sobre internação a vizinhos
DA REPORTAGEM LOCAL
Os moradores da rua onde vivia
a família de Jhonatan Vieira Anacleto, 17, em São Mateus, na zona
leste, se diziam espantados com
as notícias que receberam ontem.
Não só a morte do jovem foi uma
surpresa, mas a própria informação de que ele estava na Febem.
Constrangidos e envergonhados, os pais não falaram da internação nem para os vizinhos mais
próximos do casal, que tem ainda
uma filha e dois filhos mais novos.
Anacleto, que estudava no ensino médio antes de ir para a Febem, foi para a UAI (Unidade de
Atendimento Inicial) do Brás em
setembro e havia sido transferido
ao Tatuapé no último dia 1º.
Ele morreu no final da manhã
de ontem depois de cair do telhado da unidade no dia anterior. De
acordo com a Febem, ele estava
entre os rebelados, se desequilibrou e caiu com a cabeça no chão.
"Ele queria ficar no Brás", conta
Cléber Vieira, 21, tio do garoto,
que chegou a visitá-lo no Tatuapé.
A assessoria da instituição diz
que ele se enquadrava no perfil de
"primário grave". Uma definição
incompreensível para os vizinhos
que costumavam vê-lo andando
de skate, jogando futebol (era torcedor do São Paulo) e ouvindo
músicas em alto volume da dupla
Zezé Di Camargo & Luciano.
"Ninguém aqui poderia imaginar. Ele já viajou comigo, nunca
me deu trabalho nenhum", disse
uma das vizinhas mais próximas
da família e que se identificou à
reportagem pelo nome de Marisa.
Era a primeira passagem de
Anacleto pela Febem. A internação foi motivada por roubo qualificado, mas seus parentes não
quiseram dar detalhes do caso.
Além de estar no ensino médio,
ele já havia trabalhado em um supermercado e em uma funilaria.
Apesar de terem omitido dos vizinhos sobre a internação do filho, os pais de Anacleto tinham
boa relação e convívio com a vizinhança, que pensava que ele estava nos últimos dois meses na casa
da avó, próxima de sua escola.
O pai dele trabalha num grande
fabricante de pneus. A mãe é manicure. O sobrado onde vivem é
bem-cuidado, típico de uma família de classe média ou classe
média baixa da periferia de São
Paulo. A família se mudou para lá
há cerca de dez anos, segundo os
relatos de alguns vizinhos.
Mais mortes
Esta foi a oitava morte de interno em unidades da Febem neste
ano, a quinta de forma violenta,
segundo a fundação. O número é
superior aos registros de 2004,
quando três jovens morreram,
um deles a tiros em um suposto
confronto durante uma fuga.
O Tatuapé concentra a maior
quantidade de mortes em 2005.
Em janeiro, um interno de 17 anos
também caiu do telhado durante
uma rebelião e teve traumatismo
craniano. No mês seguinte, um
jovem de 15 anos foi espancado
por outros adolescentes.
Outro interno, portador do vírus HIV, foi transferido do Tatuapé para um presídio em Tupi Paulista, no interior, e morreu por falta de atendimento médico, de
acordo com algumas entidades de
direitos humanos.
As outras mortes de internos
neste ano ocorreram no complexo de Raposo Tavares e Vila Maria, na capital paulista, e em unidades de Lins e Bauru, no interior.
Dos 55 feridos durante a rebelião no Tatuapé anteontem, cinco
pessoas continuam internadas
em hospitais ontem. Três funcionários -um teve seu pulmão
perfurado, outro traumatismo
craniano e outro, fratura de fêmur- e dois internos -um com
fratura no calcanhar e outro ferido com uma bala de borracha no
peito- não corriam risco de
morte, segundo a Febem.
Dos 61 internos que conseguiram fugir no Complexo do Tatuapé anteontem, 12 continuavam
foragidos até o final desta edição.
A morte de adolescentes no Tatuapé foi um dos motivos que fez
a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) instaurar, pela primeira vez, uma investigação contra a Febem. No último dia 17, a instância jurídica internacional cobrou que o governo
brasileiro garantisse a integridade
física dos internos do complexo.
No relato à OEA, feito antes da
morte de Anacleto, o Cegil (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional) narrou quatro mortes. O centrou incluiu o caso de interno encontrado morto com dois
tiros na cabeça e sinais de tortura,
em um matagal a 25 km do complexo, um dia depois de uma fuga.
A Febem não inclui o caso na sua
contabilidade porque o interno
teria morrido fora do complexo.
(ALENCAR IZIDORO E GILMAR PENTEADO)
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