São Paulo, quinta-feira, 24 de novembro de 2005

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Pais de garoto morto não falaram sobre internação a vizinhos

DA REPORTAGEM LOCAL

Os moradores da rua onde vivia a família de Jhonatan Vieira Anacleto, 17, em São Mateus, na zona leste, se diziam espantados com as notícias que receberam ontem. Não só a morte do jovem foi uma surpresa, mas a própria informação de que ele estava na Febem.
Constrangidos e envergonhados, os pais não falaram da internação nem para os vizinhos mais próximos do casal, que tem ainda uma filha e dois filhos mais novos.
Anacleto, que estudava no ensino médio antes de ir para a Febem, foi para a UAI (Unidade de Atendimento Inicial) do Brás em setembro e havia sido transferido ao Tatuapé no último dia 1º.
Ele morreu no final da manhã de ontem depois de cair do telhado da unidade no dia anterior. De acordo com a Febem, ele estava entre os rebelados, se desequilibrou e caiu com a cabeça no chão.
"Ele queria ficar no Brás", conta Cléber Vieira, 21, tio do garoto, que chegou a visitá-lo no Tatuapé.
A assessoria da instituição diz que ele se enquadrava no perfil de "primário grave". Uma definição incompreensível para os vizinhos que costumavam vê-lo andando de skate, jogando futebol (era torcedor do São Paulo) e ouvindo músicas em alto volume da dupla Zezé Di Camargo & Luciano.
"Ninguém aqui poderia imaginar. Ele já viajou comigo, nunca me deu trabalho nenhum", disse uma das vizinhas mais próximas da família e que se identificou à reportagem pelo nome de Marisa.
Era a primeira passagem de Anacleto pela Febem. A internação foi motivada por roubo qualificado, mas seus parentes não quiseram dar detalhes do caso.
Além de estar no ensino médio, ele já havia trabalhado em um supermercado e em uma funilaria.
Apesar de terem omitido dos vizinhos sobre a internação do filho, os pais de Anacleto tinham boa relação e convívio com a vizinhança, que pensava que ele estava nos últimos dois meses na casa da avó, próxima de sua escola.
O pai dele trabalha num grande fabricante de pneus. A mãe é manicure. O sobrado onde vivem é bem-cuidado, típico de uma família de classe média ou classe média baixa da periferia de São Paulo. A família se mudou para lá há cerca de dez anos, segundo os relatos de alguns vizinhos.

Mais mortes
Esta foi a oitava morte de interno em unidades da Febem neste ano, a quinta de forma violenta, segundo a fundação. O número é superior aos registros de 2004, quando três jovens morreram, um deles a tiros em um suposto confronto durante uma fuga.
O Tatuapé concentra a maior quantidade de mortes em 2005. Em janeiro, um interno de 17 anos também caiu do telhado durante uma rebelião e teve traumatismo craniano. No mês seguinte, um jovem de 15 anos foi espancado por outros adolescentes.
Outro interno, portador do vírus HIV, foi transferido do Tatuapé para um presídio em Tupi Paulista, no interior, e morreu por falta de atendimento médico, de acordo com algumas entidades de direitos humanos.
As outras mortes de internos neste ano ocorreram no complexo de Raposo Tavares e Vila Maria, na capital paulista, e em unidades de Lins e Bauru, no interior.
Dos 55 feridos durante a rebelião no Tatuapé anteontem, cinco pessoas continuam internadas em hospitais ontem. Três funcionários -um teve seu pulmão perfurado, outro traumatismo craniano e outro, fratura de fêmur- e dois internos -um com fratura no calcanhar e outro ferido com uma bala de borracha no peito- não corriam risco de morte, segundo a Febem.
Dos 61 internos que conseguiram fugir no Complexo do Tatuapé anteontem, 12 continuavam foragidos até o final desta edição.
A morte de adolescentes no Tatuapé foi um dos motivos que fez a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) instaurar, pela primeira vez, uma investigação contra a Febem. No último dia 17, a instância jurídica internacional cobrou que o governo brasileiro garantisse a integridade física dos internos do complexo.
No relato à OEA, feito antes da morte de Anacleto, o Cegil (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional) narrou quatro mortes. O centrou incluiu o caso de interno encontrado morto com dois tiros na cabeça e sinais de tortura, em um matagal a 25 km do complexo, um dia depois de uma fuga. A Febem não inclui o caso na sua contabilidade porque o interno teria morrido fora do complexo.
(ALENCAR IZIDORO E GILMAR PENTEADO)

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