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COMBATE À MISÉRIA
Em Corumbá, hospital criado por padre e líder comunitária ajuda a recuperar crianças e orienta famílias
Centro ajuda a reduzir desnutrição em MS
GABRIELA ATHIAS
ENVIADA ESPECIAL A CORUMBÁ
O padre Antônio Müller almoçava quando uma voluntária da
Legião de Maria (organização ligada à igreja) lhe disse que, se não
tomasse uma "providência imediata", mais um bebê da "cidade
alta", a parte mais pobre de Corumbá (MS), morreria de diarréia
e desnutrição em poucos dias.
Nessa época, meados de 1992, a
cada 1.000 crianças que nasciam
em Corumbá, 67,6 morriam antes
de completar um ano de idade.
Müller, já falecido, e a líder comunitária Terezinha Pereira, 50,
da Pastoral da Criança, que já vinham amadurecendo a idéia de
criar um lugar para cuidar de desnutridos, conseguiram uma casa
da igreja e uma doação de cinco
berços. No dia seguinte, estava
criado o "hospitalzinho".
Disso nasceu o que hoje é o Cripam (Centro de Recuperação Infantil Padre Antônio Müller), hospital comunitário que atende em
média cem crianças por ano com
desnutrição grave e moderada.
Os resultados já são evidentes.
Nos últimos cinco anos (1996 a
2000), a mortalidade na cidade
despencou para 2,7 óbitos a cada
1.000 crianças nascidas vivas, queda de 96%. Hoje Corumbá é uma
das cinco cidades campeãs na redução do índice no país, das 3.403
cidades atendidas pela pastoral.
Rilton Fernandes, o bebê que levou à fundação do Cripam, foi
salvo. Entrou no hospital com 11
meses e cinco quilos, peso apropriado para bebês de dois meses.
Hoje tem oito anos, está na escola
e adora subir na árvore que fica na
frente do barraco onde mora com
a família, na cidade alta.
A mãe dele, Solange, 28, diz ter
"aprendido a lição". Os dois filhos
menores ela amamentou até os
três anos para prevenir diarréia
causada por mamadeira suja.
"Foi uma correria louca", lembra Terezinha, hoje coordenadora da pastoral em Corumbá. "O
padre e eu fizemos até a faxina da
casa [onde começou a funcionar o
hospital"." Durante muitos anos,
eles e duas voluntárias foram os
únicos "funcionários" do local.
Dias após a internação de Rilton, chegou Adrieli Ribeiro Soares, que aos três anos pesava oito
quilos, não andava nem falava.
"Ela foi o grande desafio do padre
Antônio", diz Terezinha. Adrieli,
hoje com nove anos, foi salva, mas
tem sequelas: não fala direito, embora entenda tudo.
Depois disso, as crianças não
pararam de chegar. Entre 1996 e
2000, o número de crianças atendidas pela pastoral na cidade aumentou de 2.190 para 3.592.
A queda da mortalidade, diz Terezinha, se deve ao atendimento
no "hospitalzinho" e à "pesagem
volante" criada por líderes comunitárias. Pelo esquema de funcionamento tradicional da pastoral,
as líderes comunitárias escolhem
um dia por mês para pesar crianças, geralmente na paróquia do
bairro. Em Corumbá, as voluntárias levam a balança à casa das famílias que não foram à pesagem.
"Quando percebi que as famílias tinham dificuldade de trazer
os filhos para pesar na igreja, passei a fazer tudo aqui em casa",
conta a líder comunitária Edna
Perdomo Gonçalves, 54, que trabalha com 32 crianças, que são
suas vizinhas, no Taquaral, um
assentamento na zona rural.
Edna pendura a balança (no
formato de balanço de pano onde
é possível sentar ou deitar, se a
criança for muito pequena) em
uma árvore e faz o trabalho. Algumas famílias chegam de charrete.
Nessas ocasiões, Edna, que se
sustenta com o salário de professora estadual, cozinha quitutes especiais para as crianças. Quem
não comparece recebe a visita dela dias depois. "Coloco a balança
nesse "fuca" e vou atrás do povo."
Da mesma forma que as líderes
vão ficando mais experientes, as
mães vão aprendendo o valor da
amamentação, a zelar pela higiene dos filhos e a fazer soro caseiro.
Benedita da Silva, avó de Rilton,
diz ter avisado a filha sobre o perigo do leite da mamadeira. O leite
tinha água de má qualidade. A casa não tem saneamento básico.
Para completar, aos cinco meses
ele pegou pneumonia e não se recuperou até ser internado. "Levamos até à macumba, pensando
que era mau-olhado."
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