São Paulo, segunda-feira, 24 de dezembro de 2001

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COMBATE À MISÉRIA

Em Corumbá, hospital criado por padre e líder comunitária ajuda a recuperar crianças e orienta famílias

Centro ajuda a reduzir desnutrição em MS

GABRIELA ATHIAS
ENVIADA ESPECIAL A CORUMBÁ

O padre Antônio Müller almoçava quando uma voluntária da Legião de Maria (organização ligada à igreja) lhe disse que, se não tomasse uma "providência imediata", mais um bebê da "cidade alta", a parte mais pobre de Corumbá (MS), morreria de diarréia e desnutrição em poucos dias.
Nessa época, meados de 1992, a cada 1.000 crianças que nasciam em Corumbá, 67,6 morriam antes de completar um ano de idade.
Müller, já falecido, e a líder comunitária Terezinha Pereira, 50, da Pastoral da Criança, que já vinham amadurecendo a idéia de criar um lugar para cuidar de desnutridos, conseguiram uma casa da igreja e uma doação de cinco berços. No dia seguinte, estava criado o "hospitalzinho".
Disso nasceu o que hoje é o Cripam (Centro de Recuperação Infantil Padre Antônio Müller), hospital comunitário que atende em média cem crianças por ano com desnutrição grave e moderada.
Os resultados já são evidentes. Nos últimos cinco anos (1996 a 2000), a mortalidade na cidade despencou para 2,7 óbitos a cada 1.000 crianças nascidas vivas, queda de 96%. Hoje Corumbá é uma das cinco cidades campeãs na redução do índice no país, das 3.403 cidades atendidas pela pastoral.
Rilton Fernandes, o bebê que levou à fundação do Cripam, foi salvo. Entrou no hospital com 11 meses e cinco quilos, peso apropriado para bebês de dois meses. Hoje tem oito anos, está na escola e adora subir na árvore que fica na frente do barraco onde mora com a família, na cidade alta.
A mãe dele, Solange, 28, diz ter "aprendido a lição". Os dois filhos menores ela amamentou até os três anos para prevenir diarréia causada por mamadeira suja.
"Foi uma correria louca", lembra Terezinha, hoje coordenadora da pastoral em Corumbá. "O padre e eu fizemos até a faxina da casa [onde começou a funcionar o hospital"." Durante muitos anos, eles e duas voluntárias foram os únicos "funcionários" do local.
Dias após a internação de Rilton, chegou Adrieli Ribeiro Soares, que aos três anos pesava oito quilos, não andava nem falava. "Ela foi o grande desafio do padre Antônio", diz Terezinha. Adrieli, hoje com nove anos, foi salva, mas tem sequelas: não fala direito, embora entenda tudo.
Depois disso, as crianças não pararam de chegar. Entre 1996 e 2000, o número de crianças atendidas pela pastoral na cidade aumentou de 2.190 para 3.592.
A queda da mortalidade, diz Terezinha, se deve ao atendimento no "hospitalzinho" e à "pesagem volante" criada por líderes comunitárias. Pelo esquema de funcionamento tradicional da pastoral, as líderes comunitárias escolhem um dia por mês para pesar crianças, geralmente na paróquia do bairro. Em Corumbá, as voluntárias levam a balança à casa das famílias que não foram à pesagem.
"Quando percebi que as famílias tinham dificuldade de trazer os filhos para pesar na igreja, passei a fazer tudo aqui em casa", conta a líder comunitária Edna Perdomo Gonçalves, 54, que trabalha com 32 crianças, que são suas vizinhas, no Taquaral, um assentamento na zona rural.
Edna pendura a balança (no formato de balanço de pano onde é possível sentar ou deitar, se a criança for muito pequena) em uma árvore e faz o trabalho. Algumas famílias chegam de charrete.
Nessas ocasiões, Edna, que se sustenta com o salário de professora estadual, cozinha quitutes especiais para as crianças. Quem não comparece recebe a visita dela dias depois. "Coloco a balança nesse "fuca" e vou atrás do povo."
Da mesma forma que as líderes vão ficando mais experientes, as mães vão aprendendo o valor da amamentação, a zelar pela higiene dos filhos e a fazer soro caseiro.
Benedita da Silva, avó de Rilton, diz ter avisado a filha sobre o perigo do leite da mamadeira. O leite tinha água de má qualidade. A casa não tem saneamento básico. Para completar, aos cinco meses ele pegou pneumonia e não se recuperou até ser internado. "Levamos até à macumba, pensando que era mau-olhado."


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