|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
INCULTA & BELA
"La torre pendente"
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Se um dia você for a Pisa, na
Itália, é claro que vai querer
ver a bendita torre. Apesar de
haver uma infinidade de placas que indicam como chegar
lá, talvez você se perca e precise pedir a alguém que indique
o caminho das pedras, ou melhor, da torre.
Torre em italiano é torre
mesmo. Mas em Pisa normalmente não basta dizer "la torre". Torres, na Itália, há várias. Os habitantes de Pisa
chamam a bela e torta torre
de "la torre pendente".
Em português e em italiano,
"pendente" é "o que pende".
Trata-se de adjetivo formado
a partir de verbo.
A terminação "-nte", originária do particípio presente
latino, entra na formação de
adjetivos e substantivos.
Em geral, esses substantivos
e adjetivos indicam o agente
do processo que o verbo expressa. Pedinte é quem pede,
falante é quem fala, distante é
o que dista, corrente é o que
corre, ouvinte é quem ouve. E,
voltando à torre de Pisa, pendente é o que pende.
Pois bem, acostumamo-nos
tanto a usar determinadas
palavras que "esquecemos"
seu significado literal.
Por que dizemos que alguém
fala "fluentemente" determinada língua estrangeira?
Fluentemente deriva de
fluente, que deriva de fluir.
Fluir significa "correr em estado fluido", como fazem os
líquidos, por exemplo.
Metaforicamente, as palavras fluem, ou seja, saem da
boca como água de chuva. Isso, é claro, se a pessoa for
fluente na tal língua.
Lembra que um dia você teve de decorar os nomes dos
afluentes do Amazonas, sem
que lhe explicassem por que os
afluentes são afluentes?
Se fluente é o que flui,
afluente é o que aflui, do verbo afluir. Vamos ao "Aurélio":
afluir é "correr para". O rio
afluente nada mais é do que
aquele cujas águas correm para as de outro, aumentando-lhes o volume.
E influente? É o que influi, é
claro. E influir é "fazer fluir
para dentro de", que, ao pé da
letra, é o que faz quem influi.
Não parece difícil agora entender o significado literal de
"bastante". Ao pé da letra,
bastante é "o que basta".
É por isso que gramáticos
puristas não aceitam "bastante" como sinônimo de "muito". Dizem eles que só se pode
usar "bastante" como sinônimo de "suficiente": "Não há
livros bastantes"; "Não há livros suficientes".
Parece exagero condenar o
emprego de "bastante" como
sinônimo de "muito". O uso e
os dicionários já consagraram
essa equivalência.
O detalhe é que, quando sinônimo de "muito", "bastante" deve seguir o mesmo processo de concordância: "O time perdeu muitas oportunidades"; "O time perdeu bastantes oportunidades".
Rara no Brasil, a forma flexionada de "bastante" é comum em Portugal. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
E-mail: inculta@uol.com.br
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|