São Paulo, quinta, 24 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO
O retorno da tuberculose

BRUNO SOERENSEN

A brilhante descoberta comunicada em 24 de março de 1882 por Robert Koch, médico e microbiologista alemão, foi o primeiro passo no longo trajeto para a eliminação da tuberculose no mundo.
O caminho percorrido em 116 anos, entretanto, não foi suficiente para que a tuberculose diminuísse a preocupação das autoridades de saúde e do mundo, ressurgindo e comprometendo o bem-estar do homem.
É uma doença milenar, que fez milhões de vítimas ao longo dos tempos. O primeiro a descrevê-la foi Hipócrates (460-377 a.C.). Independentemente, foram encontrados sinais de lesões de tuberculose em múmias egípcias e em crânios pré-colombianos da América.
O mal causa no mundo 3 milhões de mortes anualmente. A cada ano, surgem de 4 milhões a 5 milhões de novos casos graves e altamente contagiosos de tuberculose respiratória e número igual de casos novos de formas menos severas ou menos contagiosas.
Anualmente, no mundo, pelo menos 10 milhões de pacientes expectoram o agente causador, disseminando a infecção ao seu redor. Na ausência de tratamento, os novos casos continuam contagiosos por aproximadamente dois anos antes da morte ou da cura espontânea, mais ou menos precária.
A maioria das vítimas mora em países em desenvolvimento, onde grande parte dos casos não chega a ser diagnosticada, muito menos tratada. Valores estimados pela Organização Mundial da Saúde sobre o número de óbitos anuais por tuberculose no mundo situam a doença como a principal causa de morte entre todas as doenças infecciosas do adulto.
Entre as vítimas famosas da tuberculose estão o libertador sul-americano Simón Bolívar (1783-1830), o compositor polonês Frédéric Chopin (1810-1849) e o filósofo americano Henry David Thoreau (1817-1862). Milhões de vítimas no mundo não chegaram a viver o suficiente para ter fama.
A tuberculose é uma doença socioeconômica que compromete preferencialmente os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. A pobreza, levando os povos à desnutrição, é a principal causa de predisposição à tuberculose. No Brasil estariam morando 20 milhões de desnutridos. Outro fator que contribui para a tuberculose é a falta de educação sanitária, que impede a imunização de crianças com BCG ou o tratamento adequado da doença.
A situação epidemiológica mundial a coloca como doença reemergente e até fora de controle nas regiões do mundo com os problemas acima referidos.
No caso da tuberculose bovina, ela não representa maior problema como fonte de infecção humana, possivelmente pelo fato de o bacilo da tuberculose responsável pela doença nos bovinos ser de baixa virulência para o homem.
A tuberculose se encontrava controlada e até em via de erradicação nos EUA, em países da Europa e no Japão. Mas seu ressurgimento é preocupante. Uma das causas seria a Aids, que leva a uma depressão imunológica, criando condições propícias para que o bacilo responsável pela doença num organismo sem defesa se dissemine, formando focos à distância e levando à morte do indivíduo.
Essa reemergência da doença se reveste de grande preocupação se considerarmos que há terreno propício à disseminação em populações desnutridas; some-se a isso o detalhe da vacina BCG, que, embora considerada boa, não leva à proteção total contra a doença.
Estabelecendo um paralelismo entre a tuberculose e a varíola, esta última não se relacionava com a desnutrição dos povos e contava com uma vacina que protegia totalmente os vacinados. Isso possibilitou sua erradicação da face da Terra em 1977, situação bem diferente daquela que vivemos com a tuberculose. Embora a tuberculose tenha tratamento satisfatório quando bem conduzido, a falta de recursos econômicos do povo faz pensar que o melhor remédio contra ela é o dinheiro.


Bruno Soerensen, 67, é médico e diretor da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade de Marília (SP). Foi consultor da Organização Mundial da Saúde e diretor-geral do Instituto Butantan.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.