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OPINIÃO
O retorno da tuberculose
BRUNO SOERENSEN
A brilhante descoberta comunicada em 24 de março de 1882 por
Robert Koch, médico e microbiologista alemão, foi o primeiro passo no longo trajeto para a eliminação da tuberculose no mundo.
O caminho percorrido em 116
anos, entretanto, não foi suficiente para que a tuberculose diminuísse a preocupação das autoridades de saúde e do mundo, ressurgindo e comprometendo o
bem-estar do homem.
É uma doença milenar, que fez
milhões de vítimas ao longo dos
tempos. O primeiro a descrevê-la
foi Hipócrates (460-377 a.C.). Independentemente, foram encontrados sinais de lesões de tuberculose em múmias egípcias e em crânios pré-colombianos da América.
O mal causa no mundo 3 milhões de mortes anualmente. A cada ano, surgem de 4 milhões a 5
milhões de novos casos graves e
altamente contagiosos de tuberculose respiratória e número igual de
casos novos de formas menos severas ou menos contagiosas.
Anualmente, no mundo, pelo
menos 10 milhões de pacientes expectoram o agente causador, disseminando a infecção ao seu redor. Na ausência de tratamento,
os novos casos continuam contagiosos por aproximadamente dois
anos antes da morte ou da cura espontânea, mais ou menos precária.
A maioria das vítimas mora em
países em desenvolvimento, onde
grande parte dos casos não chega a
ser diagnosticada, muito menos
tratada. Valores estimados pela
Organização Mundial da Saúde
sobre o número de óbitos anuais
por tuberculose no mundo situam
a doença como a principal causa
de morte entre todas as doenças
infecciosas do adulto.
Entre as vítimas famosas da tuberculose estão o libertador sul-americano Simón Bolívar
(1783-1830), o compositor polonês Frédéric Chopin (1810-1849) e
o filósofo americano Henry David
Thoreau (1817-1862). Milhões de
vítimas no mundo não chegaram a
viver o suficiente para ter fama.
A tuberculose é uma doença socioeconômica que compromete
preferencialmente os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. A pobreza, levando os povos à desnutrição, é a principal
causa de predisposição à tuberculose. No Brasil estariam morando
20 milhões de desnutridos. Outro
fator que contribui para a tuberculose é a falta de educação sanitária, que impede a imunização de
crianças com BCG ou o tratamento adequado da doença.
A situação epidemiológica mundial a coloca como doença reemergente e até fora de controle nas
regiões do mundo com os problemas acima referidos.
No caso da tuberculose bovina,
ela não representa maior problema como fonte de infecção humana, possivelmente pelo fato de o
bacilo da tuberculose responsável
pela doença nos bovinos ser de
baixa virulência para o homem.
A tuberculose se encontrava
controlada e até em via de erradicação nos EUA, em países da Europa e no Japão. Mas seu ressurgimento é preocupante. Uma das
causas seria a Aids, que leva a uma
depressão imunológica, criando
condições propícias para que o bacilo responsável pela doença num
organismo sem defesa se dissemine, formando focos à distância e
levando à morte do indivíduo.
Essa reemergência da doença se
reveste de grande preocupação se
considerarmos que há terreno
propício à disseminação em populações desnutridas; some-se a isso
o detalhe da vacina BCG, que, embora considerada boa, não leva à
proteção total contra a doença.
Estabelecendo um paralelismo
entre a tuberculose e a varíola, esta
última não se relacionava com a
desnutrição dos povos e contava
com uma vacina que protegia totalmente os vacinados. Isso possibilitou sua erradicação da face da
Terra em 1977, situação bem diferente daquela que vivemos com a
tuberculose. Embora a tuberculose tenha tratamento satisfatório
quando bem conduzido, a falta de
recursos econômicos do povo faz
pensar que o melhor remédio contra ela é o dinheiro.
Bruno Soerensen, 67, é médico e diretor da
Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade
de Marília (SP). Foi consultor da Organização
Mundial da Saúde e diretor-geral do Instituto
Butantan.
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