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Barbie presidente contra soldados de chumbo
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Era todo mundo boneco na foto
oficial da comemoração dos 500
anos em Porto Seguro (BA), sábado passado. Até o pau-brasil parecia de plástico, a arvorezinha que
o estranho presidente Fernando
Henrique plantou.
O estranho FHC estava todo
embonecado no seu terno, dona
Ruth toda vestida feito boneca
dessas que a gente vestia e sentava
lá numa cadeirinha, para ela
"não se sujar, filhinha". E os cupinchas da Bahia, e os soldadinhos de chumbo atirando bombas
a torto e a direito, eram personagens de uma festa bizarra.
Comemoravam o aniversário
de um país inanimado, que definitivamente não é este em que a
maioria dos brasileiros vive. O
mais incrível, o mais revoltante, é
que só tinha branco na foto oficial: não tinha um índio, não tinha um preto nem para remédio.
Agora que estão querendo lançar a boneca Barbie para a presidência dos Estados Unidos, é preciso avisar a fábrica Matell que já
temos um presidente Zé Carioca-FHC, que brinca de casinha com
bolinho de aniversário de 500
anos para seus amiguinhos; que
brinca de forte-apache jogando
soldados de chumbo contra arcos
e flechas de índios.
Voltemos à Barbie. A notícia
diz que a empresa americana
Matell está lançando no mercado
uma versão presidente da República da Barbie. A idéia viria de
um tal "Projeto Casa Branca", organização não-governamental
que defende maior participação
das mulheres na política.
A Barbie presidente vem acompanhada de uma cartilha que
orienta as meninas a buscar posições de liderança em suas casas,
escolas e comunidades.
Trata-se de mais uma investida
da ortodoxia feminista, querendo
agora fazer uma verdadeira lavagem cerebral nas menininhas.
Ora, a psicanalista austríaco-inglesa Melanie Klein já descobrira, nos anos 20, a importância do
brincar na exploração do inconsciente infantil. E mais: ela colocava pequenos homens e mulheres
de madeira (ou seja, bonecas) entre os brinquedos mais adequados para a técnica psicanalítica
de interpretar a psique das crianças. É exatamente esse o ponto de
penetração encontrado agora pelo feminismo norte-americano
para fincar as raízes da sua "cultura da vitimização".
Como diz o crítico Robert Hughes, a cultura dos EUA gosta dos
fetiches gêmeos da vitimização e
da redenção. Seria um defeito de
fundação, já que os puritanos formadores daquela sociedade foram vítimas de perseguição.
Segundo Hughes, a forma de
discussão das questões sexuais
nos EUA gira cada vez mais em
torno da vitimização. Ele cita a
opinião da feminista Andrea
Dworkin, para quem sexo entre
homem e mulher é sempre um estupro, dado que durante a relação sexual a mulher é fisicamente
"um espaço invadido", ainda que
não tenha havido resistência.
Para Hughes, essa visão grotescamente ampliada de ataque criminoso reduz as mulheres a vítimas sem vontade própria, privadas do poder tanto de consentir
quanto de negar, meras bonecas
jogadas de um lado para outro.
É penetração por todo lado.
Mas certamente as meninas resistirão. No mundo da brincadeira
infantil, como diz Veríssimo de
Melo, haverá sempre umas zonas
de preservação psicológica que jamais poderão ser invadidas. Pelo
menos isso.
E-mail: mfelinto@uol.com.br
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