São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 2000


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Barbie presidente contra soldados de chumbo

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas


Era todo mundo boneco na foto oficial da comemoração dos 500 anos em Porto Seguro (BA), sábado passado. Até o pau-brasil parecia de plástico, a arvorezinha que o estranho presidente Fernando Henrique plantou.
O estranho FHC estava todo embonecado no seu terno, dona Ruth toda vestida feito boneca dessas que a gente vestia e sentava lá numa cadeirinha, para ela "não se sujar, filhinha". E os cupinchas da Bahia, e os soldadinhos de chumbo atirando bombas a torto e a direito, eram personagens de uma festa bizarra.
Comemoravam o aniversário de um país inanimado, que definitivamente não é este em que a maioria dos brasileiros vive. O mais incrível, o mais revoltante, é que só tinha branco na foto oficial: não tinha um índio, não tinha um preto nem para remédio.
Agora que estão querendo lançar a boneca Barbie para a presidência dos Estados Unidos, é preciso avisar a fábrica Matell que já temos um presidente Zé Carioca-FHC, que brinca de casinha com bolinho de aniversário de 500 anos para seus amiguinhos; que brinca de forte-apache jogando soldados de chumbo contra arcos e flechas de índios.

Voltemos à Barbie. A notícia diz que a empresa americana Matell está lançando no mercado uma versão presidente da República da Barbie. A idéia viria de um tal "Projeto Casa Branca", organização não-governamental que defende maior participação das mulheres na política.
A Barbie presidente vem acompanhada de uma cartilha que orienta as meninas a buscar posições de liderança em suas casas, escolas e comunidades.
Trata-se de mais uma investida da ortodoxia feminista, querendo agora fazer uma verdadeira lavagem cerebral nas menininhas.
Ora, a psicanalista austríaco-inglesa Melanie Klein já descobrira, nos anos 20, a importância do brincar na exploração do inconsciente infantil. E mais: ela colocava pequenos homens e mulheres de madeira (ou seja, bonecas) entre os brinquedos mais adequados para a técnica psicanalítica de interpretar a psique das crianças. É exatamente esse o ponto de penetração encontrado agora pelo feminismo norte-americano para fincar as raízes da sua "cultura da vitimização".
Como diz o crítico Robert Hughes, a cultura dos EUA gosta dos fetiches gêmeos da vitimização e da redenção. Seria um defeito de fundação, já que os puritanos formadores daquela sociedade foram vítimas de perseguição.
Segundo Hughes, a forma de discussão das questões sexuais nos EUA gira cada vez mais em torno da vitimização. Ele cita a opinião da feminista Andrea Dworkin, para quem sexo entre homem e mulher é sempre um estupro, dado que durante a relação sexual a mulher é fisicamente "um espaço invadido", ainda que não tenha havido resistência.
Para Hughes, essa visão grotescamente ampliada de ataque criminoso reduz as mulheres a vítimas sem vontade própria, privadas do poder tanto de consentir quanto de negar, meras bonecas jogadas de um lado para outro.
É penetração por todo lado. Mas certamente as meninas resistirão. No mundo da brincadeira infantil, como diz Veríssimo de Melo, haverá sempre umas zonas de preservação psicológica que jamais poderão ser invadidas. Pelo menos isso.

E-mail: mfelinto@uol.com.br


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