São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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LEIS
STJ decide que incesto sem violência não é estupro

EUNICE NUNES
especial para a Folha

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a relação sexual entre pai e filha com mais de 14 anos, sem comprovada violência ou ameaça, não é estupro, mas sim corrupção de menor.
A decisão foi proferida em março (REsp 94930-PR), no processo em que Lourenço Gabardo queria ser absolvido depois de ter engravidado sua filha de 15 anos.
O Ministério Público do Paraná pedia a condenação de Gabardo por estupro. Alegava que a filha, embora não tenha sido violentada, foi constrangida a manter relações sexuais com o pai.
Segundo o voto do relator, ministro José Dantas, a conduta do acusado não se enquadra no que a lei penal classifica como estupro: constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.
"Conjunção carnal sossegada e constante, entre pai e filha, é incesto. Mas essa conduta, embora condenável na moral religiosa, não é tida como criminosa no direito estatal brasileiro", diz o ministro Edson Vidigal em seu voto.
Para os ministros da Quinta Turma, a resposta penal para o caso julgado é o artigo 218 do Código Penal, que define o crime de corrupção de menor.
Sílvia Pimentel, professora de filosofia do direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), adverte que a relação incestuosa entre pai e filha ou entre mãe e filho é especial e, como tal, deve ser tratada.
"Os pais são responsáveis pelo desenvolvimento bio-psico-social dos filhos. Não podemos trivializar, equiparando a relação incestuosa a outra qualquer, com estranhos", avalia ela.
Para a professora, os pais exercem autoridade sobre os filhos, portanto não há uma relação de igualdade no incesto entre ascendente e descendente.
"Por causa disso, a capacidade de reação dos filhos em relação aos pais é muito menor do que em relação a estranhos", observa Luiz Flávio Gomes, juiz aposentado especialista em direito penal.
Ele diz que a decisão do STJ é correta à luz da lei. Admite, porém, que as provas em casos desse tipo devem ser analisadas com cuidado especial.
"A vontade do menor, aparentemente livre, muitas vezes não o é. Relações incestuosas exigem análise cuidadosa", afirma.
Gomes lembra que há uma dissonância entre o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no que toca à idade.
O ECA considera criança a pessoa com até 12 anos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos. Impõe punições penais para pessoas com mais de 12 anos, pois presume que nessa idade já há uma certa capacidade de entendimento.
Já a lei penal fixa a idade de 14 anos como aquela em que a pessoa passa a ter certa autonomia sexual.
"É preciso uniformizar os conceitos. Se a partir dos 12 anos a pessoa pode ser punida penalmente, também possui capacidade de entendimento em relação à sua vida sexual", diz Gomes.



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