São Paulo, segunda, 25 de maio de 1998

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MÉDICO-PADRÃO
Casal faz jornada dupla e leva trabalho para casa

da Reportagem Local

O casal de médicos Grace e Jamal Suleiman enfrenta uma rotina comum à maioria dos médicos brasileiros: dividir o trabalho em uma instituição pública com um consultório particular. Das 8h às 17h, eles trabalham no Hospital Emílio Ribas e depois atendem o mesmo tipo de pacientes -a maioria portadores do HIV- em sua clínica no bairro de Cerqueira César, região central de São Paulo.
"O serviço público é uma ilusão. Se você faz 20 horas, o Estado paga R$ 1.300 por mês. No nosso caso, que damos 40 horas, recebemos o dobro. Mas é o atendimento particular que ajuda a dar melhores condições de vida", comenta Grace, 41, há 15 anos na profissão -formou-se junto com o marido, Jamal, 38, em Mogi das Cruzes.
Foi quando faziam a residência que surgiram casos de Aids no Brasil, transformando a visão que teriam da infectologia, área que já haviam escolhido para atuar. "O doente de Aids é diferente. É uma doença que mobiliza emocionalmente o sujeito de uma maneira muito intensa, o que muitas vezes faz o médico ficar exausto com a demanda", diz Jamal.
"O paciente de câncer tem o apoio da família. O de Aids muitas vezes tem no médico seu único apoio", completa Grace.
Jamal atende na enfermaria e Grace, no ambulatório do Emílio Ribas. Em casa, com a família -têm duas filhas-, eles não conseguem evitar os assuntos de trabalho. "Essa coisa de "depois que chego em casa esqueço do trabalho' não funciona com a gente. Mas numa boa. A gente não evita nem mesmo falar na frente das crianças. Só um pouco, mas para dar atenção aos assuntos delas, não para esconder", revela Grace.
Apesar de achar que a medicina no Brasil vai mal -"está um terror", ela diz-, nenhum dos dois se arrepende de ter optado pela carreira. "Não conheço nenhuma profissão que dê uma satisfação pessoal tão grande. Você não pode imaginar o prazer de ver alguém melhorar. Se uma de minhas filhas decidisse ser médica, ficaria orgulhoso", diz Jamal.
Grace, embora destaque o lado humanitário da profissão, tem algumas dúvidas. "É muito desgastante, não sei se quero que uma delas seja médica. É uma classe muito desunida. Mas eu faria tudo de novo." CYNARA MENEZES


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