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INCULTA & BELA
"Falamos desde Paris'
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
As transmissões esportivas
continuam fornecendo material para discutir a língua.
Sei muito bem o que é fazer
rádio e TV ao vivo. Não é nada fácil. Muitas das bobagens
que ouvimos são resultado da
pressão natural imposta pela
circunstância, e não fruto de
ignorância ou despreparo.
Por falar em "ao vivo", você já notou que no canto da
"telinha" sempre aparece a
palavra "vivo"?
As desculpas são várias. A
mais comum é o velho problema do espaço ("ao vivo" não
cabe no canto da tela).
Mas nada me tira da cabeça
que isso é resultado do advento das antenas parabólicas e
da TV a cabo.
Com a chegada da CNN
-americana-, em cuja imagem se vê a palavra "live", as
emissoras brasileiras acharam que, se a expressão inglesa tem apenas uma palavra, a
portuguesa pode muito bem
ter também uma palavra só.
É bom ser justo e dizer que a
TV Cultura, que também usava o bendito "vivo" -fato
vergonhoso para uma emissora educativa-, corrigiu o
problema, a partir de sugestão
que fiz à então diretora de
programação, Beth Carmona,
que imediatamente ordenou o
emprego da forma correta.
Assim como se diz que se faz
algo "aos poucos", "aos
trancos e barrancos", "às
pressas", "às vezes", só se pode dizer que se transmite algo
"ao vivo". Em português, as
expressões adverbiais costumam ser introduzidas por
preposição (ao=a+o; à=a+a).
Mas a pérola de hoje é um
caso de espanholismo. Trata-se do bendito "desde". É
comum locutores esportivos
abrirem a transmissão com
algo como "Falamos desde
Paris", "Transmitimos desde
o autódromo de Monza".
Para falar desde Paris, o locutor, que, quando diz isso,
não está em Paris, precisa ter
superpulmões para começar a
falar em Paris e, depois de sabe Deus quantos quilômetros,
continuar matraqueando.
Em espanhol, "desde" pode
indicar procedência, origem.
Em português, não. A preposição cabível é "de": "Falamos
de Paris", "Transmitimos do
autódromo de Monza".
Alguém pode dizer que a
frase "Falamos de Paris" é
ambígua. Paris pode ser o lugar em que se está ou o assunto. O contexto certamente
desfaria a ambiguidade.
Uma fábrica de telefones celulares está fazendo uma propaganda, cujo texto diz: "O
mundo inteiro só fala nele".
Talvez tenha havido a intenção de criar a ambiguidade. Como se pode falar de algo
ou em algo, um dos sentidos
da frase é que o telefone é o
único assunto das pessoas.
Mas o outro sentido pretendido esbarra num problema
de regência: as gramáticas dizem que se fala ao telefone, e
não no telefone. Para a gramática normativa, a frase tem
apenas um sentido. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
E-mail:inculta@uol.com.br
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