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LETRAS JURÍDICAS
Remédio demorado
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
Acusações, diligências,
manchetes, segundos televisivos continuam dominando as
preocupações do cidadão brasileiro, depois que a Schering
foi denunciada sob alegação
de ter colocado duas toneladas de farinha em pílulas comercializadas como anticoncepcionais. Está faltando insistir numa pergunta fundamental: por que a violação
gravíssima dos direitos dos
consumidores demorou tanto
tempo para despertar o interesse das autoridades?
Em raciocínio que mergulha
fundo no óbvio, parece que só
foi possível chegar a uma situação tão perigosa para a
saúde da população porque
algumas autoridades têm sido
incompetentes, omissas ou
mesmo corruptas. Ou, ao menos, porque a lei tem lacunas.
O raciocínio vale para distinguir quem é quem no rol dos
bons e dos maus, entre produtores estrangeiros de remédios, dominadores do mercado e os nacionais.
A violação do direito do
consumidor é a ponta do iceberg. O universo da criminalidade, com os entes públicos e
privados que dela participaram, surge envolvido com a
mesma e dolorosa questão:
qual o porquê de tanta demora? Por que a Abifarma (Associação Brasileira da Indústria
Farmacêutica) acordou somente agora para manifestar
"enorme preocupação" com
medicamentos falsificados ou
adulterados? Não sabia de
nada?
Agora se diz sem ressalva
que laboratórios estrangeiros
abusaram porque aqui a legislação é mais branda, e a
fiscalização, próxima da inexistência. Tem sido frequente
na literatura jurídica a alusão a remédios proibidos ou
restringidos em seus países de
origem, no Primeiro Mundo,
livremente vendidos em nações agora chamadas emergentes, em eufemismo elegante. Emergentes, talvez, mas
submersas na exploração de
medicamentos impróprios e,
possivelmente, em pesquisas
feitas à custa de seus cidadãos, com e sem o conhecimento deles.
Arrombada a porta, as autoridades querem pôr a tranca. Sem puxar a brasa para a
sardinha do jornalismo, é preciso reconhecer que, sem o
alarido da mídia, os poderosos interesses envolvidos certamente conseguiriam abafar
o escândalo. O escândalo, tomado em si mesmo, gera injustiças. Mas, num caso como
o dos remédios, não há modo
de ser condescendente. Afinal,
estão em jogo a saúde e a vida
das pessoas, garantidas pelo
documento legislativo mais
importante para o cidadão
nacional: o artigo 5º da Constituição, o grande direito individual na democracia.
A mídia acertou na mosca,
forçando as autoridades a se
mexer. E, justiça seja feita, a
contar do ministro José Serra,
que nem é médico, nem biólogo, mas mostrou sensibilidade, detonando uma série de
medidas necessárias.
Não se deve ficar, porém,
nas providências de curto
prazo. Será imprescindível
sistematizar a vigilância em
empresas daqui e de fora para
continuar, quando passar o
brilho efêmero da televisão,
dos microfones e o espanto
das manchetes.
Em um universo feito de
tantas violações, é admissível
uma sucessão infinda de ilações e perguntas, justas e injustas. Exemplo: a Schering
estaria fazendo experiências
com a farinha, à custa da população? Talvez não, mas Serra acertou ao puni-la. Só errou ao dizer que os dirigentes
da Schering tinham farinha
na cabeça, ao responder às
críticas deles, de que agia por
motivo político. Na sua incompetência, imprudência ou
arrogância, o que esses dirigentes mostraram, na cabeça,
nem é branco nem perfumado. Cheira mal.
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