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LETRAS JURÍDICAS
Decadência do dano moral
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O prazo de 90 dias, depois
do qual cessa o direito de
reclamar de dano moral causado
pelos meios de comunicação, não
vale mais. É previsto pela Lei de
Imprensa, ainda em vigor, editada em 1967, nos tempos da ditadura militar. Mesmo assim, não
valerá na parte referente à decadência. O STF - Supremo Tribunal Federal entende que o prazo
de 90 dias não é compatível com a
Constituição de 1988. Decadência, convém dizer ao leitor não ligado às artes jurídicas, é a extinção do direito provocada pela demora de quem se sinta ofendido
para iniciar o processo. Esgotado
o prazo em que deveria defender
seu direito, este caduca. Acaba.
Com a jurisprudência do STF, o
prazo passará a ser de dez anos,
conforme a regra geral do artigo
205 do Código Civil. De 90 dias
para dez anos, é um salto espantoso. Ambos são incompatíveis
com o dano moral e suas conseqüências, quando os direitos à vida, à honra, à privacidade e à
imagem da vítima são atingidos,
individual e socialmente considerados. Noventa dias é muito pouco. Dez anos é muito, muito. O
meio-termo leva à consulta do artigo 5º da Constituição, especialmente em seus incisos V e X.
Quando se fala em dano decorrente dos meios de comunicação,
de natureza não-patrimonial,
com ofensa à honra, o efeito é
imediato, perceptível pelo atingido e com reprodução no seu ambiente social ou comunitário assim que a ofensa ocorra.
Há dois modos de ver a questão.
Um deles é o de reação pronta de
quem se sinta ofendido ante a
gravidade do dano. Alguém que
aguarde até dez anos para queixar-se à Justiça de ter sido colocado de modo depreciativo no jornal, na revista, na televisão ou no
rádio já mostra que não tem razão. A queixa será inaceitável a
menos que demonstre, acima de
qualquer dúvida, sua completa
desinformação a respeito da ofensa quando ela ocorreu, coisa difícil de acreditar.
Outro modo de ver a questão
consiste em que a indenizabilidade depende da intensidade do dano causado. Nenhum outro elemento é mais importante que o
prejuízo efetivamente sofrido -o
dos bens ou direitos da vítima, extintos ou restringidos por ação ou
omissão do autor da reportagem
divulgada ou do veículo que a divulgue, bens ou direitos relacionados aos valores morais do ofendido, considerado em si mesmo e
no contexto social no qual viva.
Ora, a indenizabilidade vincula-se a dano objetivamente identificável e quantificável. À medida que o tempo passa, dia após
dia, o resultado adverso diminui
de significado na aferição necessária, inconfundível com condições psicológicas ou emocionais
de quem se apresente como vítima. A avaliação dos elementos
apenas psicológicos, infinitamente variável, se perderá no tempo
para a espera de dez anos. Estamos, pois, entre o prazo muito
restrito, da Lei de Imprensa, e o
muito largo, resultante da orientação do STF.
Retomando o argumento da
queixa de prejuízo à reputação,
ao bom nome, à imagem ou à
honra, permitir dez anos para entrar em juízo, além de injurídico,
contraria o direito fundamental à
livre manifestação, ignorando os
limites normais da sensibilidade
média, na justa reação contra a
ofensa. A lei deve fixar o prazo
aceitável. Uma das razões pelas
quais defendo a necessidade de
uma nova lei de imprensa está na
determinação de parâmetros aptos a compatibilizar o direito individual com a liberdade da comunicação apesar da dificuldade
evidente de norma isenta de
dúvida.
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