São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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SEXO, ALFACE E ROCK N'ROLL

Comércio começa a mirar straight edges, jovens que não bebem, não fumam e não comem carne

Rua Augusta vira ponto de encontro de "punk careta"

SIMONE HARNIK
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles passariam despercebidos, como quaisquer jovens freqüentadores dos cinemas e galerias da rua Augusta, zona central de São Paulo. Mas alguns detalhes no visual -como camisetas com dizeres "drug free" (livre de drogas), "meat is murder" (carne é homicídio) ou tatuagens com a letra X- caracterizam os straight edges, grupo punk que não bebe, não fuma, não usa drogas, evita derivados de animais e que adotou a região como referência.
Cada vez mais, adeptos da idéia abrem seus empreendimentos na área, que ganha uma cara nova. Esse é o caso do tatuador e straight edge Fernando Franceschi, o Teté, 31.
Com o estúdio montado na Augusta há um ano, o desafio agora é manter um restaurante vegan (que não utiliza nenhum produto derivado de animais), o Vegacy, em uma galeria nas proximidades. "O restaurante é parte da luta pela causa. O nosso lema é uma cozinha livre de crueldade. Ele está dando certo, não dá lucro, mas dá pra pagar todas as contas."
O estilo de vida vegan e livre de drogas, Teté escolheu há cerca de nove anos. "Já tinha feito um monte de coisa na vida. Meu pai morreu bebendo. Depois que minha mãe chorou ao me ver bêbado, nunca mais bebi", relata. E a escolha vem sendo sustentada com orgulho, já que, pelo corpo, várias tatuagens a mencionam.
Do atendimento do restaurante, cuidam outros dois straight edges. André Vieland, 23, que também trabalha com efeitos especiais em uma produtora de vídeos, e Marianne de Oliveira Ramos, 22, estudante de letras e, ironicamente, "bartender" em uma casa noturna. "Quanto mais perto da bebida fico, mais tenho certeza da minha escolha. Não quero beber mesmo!", brinca.
O restaurante é freqüentado por quem trabalha perto da Augusta e por amigos straight edges, como Maila Carrenho da Silva, 22, estudante de ciências sociais e funcionária de uma das lojas da galeria. "Quando me perguntaram se eu queria trabalhar na loja, vi que era na Augusta e aqui é onde quero ficar", diz. Ela mora no Tatuapé (zona leste), mas passa boa parte do tempo na região.
Para a pesquisadora do Núcleo de Antropologia Urbana da USP Bruna Mantese, que estudou o grupo, a escolha da área não foi planejada. Mas a proximidade de atividades culturais e do centro da cidade e a rede de transportes da região são estímulos para os punks adotarem a área.
"Na Augusta, tem uma coisa especial e que combina com o perfil dos straight edges. Ela é uma rua que abriga uma diversidade muito grande de grupos, desde a prostituição, até a parte mais cultural, o comércio. Isso faz com que eles se sintam à vontade", afirma.
O ponto de encontro principal dos que adotaram politicamente o estilo livre de vícios não poderia ser mais coerente: uma sorveteria. A Soroko, na parte central da Augusta, é anunciada pelos guias gastronômicos como um dos points que oferecem sorvete de leite de soja, apropriado para quem tem intolerância à lactose (uma proteína do leite).
Mas tudo começou com a sugestão de uma straight edge que freqüentava o local. "Ela pediu para trocarmos o leite pelo leite de soja, porque tinha saudades de sabores como morango e chocolate. Daí, minha mulher foi aperfeiçoando a receita", conta Anatolie Soroko, o proprietário.
Segundo ele, cerca de um terço da produção é feita para o público punk. Principalmente nos finais de semana, o local fica cheio de adeptos da idéia. "Eles passam o dia todo aqui conversando. Aí chegam uns, outros vão embora, mas estão sempre aqui", diz.


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