São Paulo, domingo, 26 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE
Cigarro dispara gatilho do infarto

JAIRO BOUER
especial para a Folha

O cigarro é considerado hoje, entre todos os fatores de risco para o coração, o principal determinante de infarto ou de morte por doença cardíaca em pessoas com menos de 50.
Estresse, vida sedentária, colesterol elevado, pressão alta e predisposição genética têm papel importante nas doenças do coração, mas o cigarro é uma espécie de "gatilho" de todo esse processo.
Essa é a posição defendida pela cardiologista Jaqueline Scholz Issa, do grupo de prevenção do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da USP.
O cigarro prejudica o coração e os vasos sanguíneos por meio de vários mecanismos. Em primeiro lugar, ele lesa o endotélio (camada que reveste os vasos), facilitando o início da formação de uma placa na parede dos vasos. A fumaça oxida o LDL-colesterol, facilitando a incorporação da gordura às placas que estão se formando.
O monóxido de carbono (um dos componentes da fumaça) se liga à hemoglobina -pigmento que transporta o oxigênio dentro dos glóbulos vermelhos do sangue. Com isso, os tecido do corpo recebem menos oxigênio para manter o trabalho das suas células.
Além disso, o cigarro funciona como um agregante plaquetário, ou seja, ele aumenta a chance de um coágulo de sangue que pode obstruir, de vez, a passagem de sangue por dentro de uma artéria.
Componentes do cigarro levam à liberação de substâncias que aumentam a frequência de batimentos cardíacos e diminuem o calibre dos vasos de sangue, provocando aumento da pressão arterial. O cigarro ainda é responsável por arritmias cardíacas e morte súbita.
Aneurisma (dilatação) na aorta, insuficiência de irrigação em pernas, "derrames" cerebrais, impotência sexual masculina e embolismos (êmbolos de sangue que vão para o pulmão), são outros exemplos de problemas vasculares graves causados pelo cigarro.
O cardiologista Abrão Cury, do Hospital do Coração e diretor científico da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (regional São Paulo), diz que das 400 mil a 500 mil mortes que acontecem, todos os anos, no Brasil, cerca de 120 mil estão ligadas ao cigarro.
Além das doenças cardiovasculares, Cury diz que o cigarro está reconhecidamente relacionado a diversos tipos de câncer. Por todo lugar em que a fumaça do cigarro passa, ela aumenta o risco de um câncer. Isso inclui boca, orofaringe e pulmões. A bexiga, por ser um local em que muitos subprodutos do cigarro ficam armazenados, antes de serem eliminados, é alvo da ação cancerígena do cigarro.

Tratamento
Um trabalho inédito, que acompanhou cem fumantes em São Paulo, mostra que uma intervenção mais ativa por parte do médico fez com que 42% dos pacientes parassem de fumar e se mantivessem sem cigarros ao fim de um ano. O índice de sucesso nas tentativas espontâneas, ao final de um ano, é da ordem de 5% a 10%.
Uma intervenção mais ativa significa que o médico se põe claramente contra o hábito de fumar e prescreve adesivos de nicotina.
O tratamento durou 12 semanas, sem trabalhos simultâneos de psicoterapia. "A idéia era tornar o tratamento mais simples e fortalecer o vínculo entre médico e paciente", diz Jaqueline Scholz Issa. O trabalho será publicado em maio na revista "Arquivos Brasileiros de Cardiologia".



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.