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São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 2003

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VIOLÊNCIA

Estados respondem por 31% dos 1.629 casos registrados de outubro de 2001 a outubro de 2002; policiais são os mais acusados

Bahia e Minas lideram denúncias de tortura

Antônio Gaudério/Folha Imagem
O caminhoneiro Adenilson Felinto dos Santos, de São Paulo, ao lado de outro homem que também afirma ter sido vítima de tortura


TIAGO ORNAGHI
DA AGÊNCIA FOLHA

Bahia e Minas Gerais lideram casos de denúncias de tortura no país, segundo relatórios preparados pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pelo MNDH (Movimento Nacional dos Direitos Humanos). Os dois Estados respondem por 31% das 1.629 alegações registradas entre outubro de 2001 e outubro de 2002.
Paraná e Rio de Janeiro estão na frente dos outros Estados no número de denúncias que efetivamente foram transformadas em processos que acabaram em condenação dos envolvidos. No Paraná, 46% dos acusados foram condenados em primeira instância, e, no Rio de Janeiro, 33%.
A explicação para que Bahia e Minas apresentem os maiores índices é a quantidade de cidades interioranas que esses Estados possuem. Nessas localidades, segundo o MNDH, o Estado seria menos presente e as autoridades policiais, mais violentas, atuando como investigadores, juízes e aplicadores de pena.
São justamente as autoridades policiais as mais envolvidas em casos de tortura. Segundo o relatório do MNDH, 26,8% dos casos têm policiais militares como agentes torturadores. A Polícia Civil não fica muito atrás, respondendo por 26,16% das denúncias.
"A mesma Polícia Civil que investigava os crimes e a Polícia Militar que efetuava as prisões durante o regime militar passaram para o país democrático. Não houve uma mudança institucional", diz Theo van Boven, relator especial sobre tortura do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
"Consideramos [os números] um bom sinal. Esses dados são avalizados pela Ouvidoria da Polícia Militar do Estado. A população de Minas Gerais denuncia e se identifica, mostrando alta credibilidade nas instituições de Estado", disse o secretário adjunto da Defesa Social de Minas Gerais, Luís Flávio Sapore.
O secretário nacional dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, enumera o que a União planeja fazer para combater esse crime. "Enfrentar os problemas de coleta da denúncia, melhorar a parte da investigação e aumentar a qualidade das ouvidorias de polícia -que tiveram um importante papel no aumento da confiança da sociedade no Estado."
Miranda aponta algumas soluções para o problema da tortura dentro de órgãos policiais: as academias de polícia passarão a contar com educação de direitos humanos; investimento em novos métodos investigativos; independência dos órgãos periciais.
"Temos 500 anos de tortura. Quando a vítima é da classe média, a sociedade se comove. Quando é pobre que cometeu um crime, acha-se que se pode torturar. Temos de mudar isso", diz ele.

Aplicação rara
Segundo o secretário nacional do MNDH, Romeu Olmar Klich, a situação da tortura no país tem um caráter mais crítico. "Nenhuma medida efetiva para a aplicação da Lei de Tortura foi feita. O Judiciário não aplica a Lei de Tortura. Ele muda para crimes com penas mais brandas."
Autoridades ouvidas pela reportagem são unânimes em classificar a Lei de Tortura como uma das melhores legislações já feitas para definir e punir a prática da violência. O problema é que a aplicação da lei é rara no Brasil. Isso se deve, segundo as mesmas autoridades, à dificuldade de juntar provas e tipificar as ações como sendo casos de tortura.
Para Nilmário Miranda, o "problema está na coleta das evidências na hora da alegação do crime [de tortura]." O crime de tortura no Brasil é considerado um crime hediondo (inafiançável), punível com pena de dois a oito anos de detenção.
A maioria das denúncias de tortura, exatamente pela falta de evidências que as provem, acabam virando acusações de abuso de autoridade ou de lesões corporais -crimes com pena máxima de um ano de reclusão.


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