São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2001

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FAVELAS

Sociólogo da UFRJ afirma que o traficante que não pertence à comunidade acaba utilizando a força para se impor

Associação de morador é refém do tráfico, diz professor

SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO

O professor de sociologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Michel Misse, criador do núcleo de pesquisas do Instituto de Segurança Pública, afirma que as associações de moradores de favelas são reféns da política do tráfico de drogas.
"A vida do traficante é o que determina a relação das associações com o comércio de drogas. Os líderes comunitários são reféns da política do tráfico, que tanto pode ser de terror como de boa vizinhança", afirmou.
Misse, que visitou favelas para a tese de doutorado "Malandros, Marginais e Vagabundos - A Acumulação Social da Violência no Rio de Janeiro", diz que o traficante que nasceu e cresceu na favela tende a não interferir na associação. Se é de fora, tenta se impor pela força. "É a política do terror. Na favela, não há relações de trabalho; o que há são laços de amizade e parentesco. Quando não estão presentes, só resta a força."
Anteontem, a Folha mostrou que duas favelas do complexo do Jacarezinho (zona norte) estão praticamente fechadas por ordem de líderes comunitários. Foram instalados portões de ferro com cadeados e microcâmeras.
O objetivo, segundo o líder comunitário Rumba Gabriel, presidente da associação do Jacarezinho, é garantir a segurança da comunidade. A iniciativa faz parte do projeto Condomínio-Favela, criado pelo Movimento Nacional de Favelas, no qual Rumba milita. Para especialistas em segurança pública, os portões dificultarão a ação da polícia.
Segundo Misse, a convivência com o tráfico nas favelas é inevitável, pois na maioria delas há venda de drogas. "Bocas-de-fumo todas têm. Estimativa da Secretaria da Segurança mostra que 300 das cerca de 1.200 favelas do município têm comércio de drogas, e que, em pelo menos 50 delas, há uma rede mais organizada."
Para o pesquisador, quando o "dono" do morro é "alemão" (gíria para quem não é da comunidade), os líderes comunitários ficam sujeitos às regras do tráfico. "Nesses casos, não há como se livrar da relação com o tráfico, sob pena de ser morto."
Misse diz que, em um primeiro momento, os traficantes tentam se integrar à comunidade, aproximando-se das associações. Quando há resistência, expulsam ou matam os líderes e colocam homens de confiança no lugar.
"É a forma encontrada por eles para impor respeito, evitar traições e a perda do poder local. Os traficantes que se mantêm mais tempo no poder, porém, são os criados na favela e que não precisam utilizar essa política, pois são respeitados pelos moradores."
Mas todos os traficantes podem agir como interventores nas associações quando o líder não segue interesses de comunidade ou tráfico. "Eles destituem o presidente e tomam o poder, depois colocam alguém de confiança. É o que chamam de "arrumar a casa'", disse.


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