São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000

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VIOLÊNCIA
Integrantes de quadrilhas chegam a estudar administração de empresas para aumentar eficiência do comércio de drogas
Centros comunitários são reféns do tráfico

GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Traficantes de São Paulo estão fazendo cursos curtos de administração de empresas com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), do Ministério do Trabalho. Esses programas de capacitação são feitos em centros comunitários da periferia.
"Não temos como impedi-los de fazer o curso", dizem as coordenadoras de um desses centros, que não podem se identificar por temer represálias. Segundo uma delas, os líderes do tráfico mandam seus "funcionários" para ter aulas e aumentar o nível de eficiência nos "negócios".
O fato de líderes comunitários conhecerem os chefes do tráfico e acolherem seus funcionários é uma mostra do poder dos criminosos. Para funcionar nos extremos sul e leste de São Paulo, os centros comunitários precisam fazer acordos com o tráfico.
A Folha conversou com representantes de oito centros comunitários considerados grandes (atendem entre 10 mil e 20 mil pessoas por mês) em diferentes distritos das zonas sul e leste. Todos os líderes e funcionários dessas instituições relataram ter feito algum tipo de pacto com traficantes para conseguir trabalhar.
Os centros visitados pela reportagem trabalham com programas para jovens, creches, atividades para a terceira idade e projetos de geração de renda.
"É um contra-senso, porque a nossa luta é pela vida e eles puxam nossos jovens literalmente para a morte", diz uma coordenadora da zona leste. Mas, segundo ela, não há outra forma de os centros funcionarem. "Aqui não adianta chamar a polícia. Quem manda é o tráfico organizado."
O advogado Edison Farah, coordenador do Conseg (Conselho de Segurança Comunitária) da Consolação, no centro de São Paulo, diz que o controle social acaba nas mãos do crime organizado nos bairros onde a presença do poder público é pequena.
As bases do acordo feito entre os centros comunitários e o crime são mais ou menos as mesmas: a comunidade se compromete a não lutar pela implantação de bases de segurança comunitária e, principalmente, a fechar os olhos para as atividades do tráfico.
Além disso, as campanhas contra a violência (como passeatas e manifestações) não podem fazer referências à venda de drogas.
Com isso, filhos dos traficantes acabam fazendo parte das atividades dos centros comunitários, para onde são levados pelos próprios pais para "aprender alguma coisa e virar gente", segundo um líder comunitário, citando textualmente a fala de um dos maiores traficantes da cidade.
Nas proximidades da favela Santa Madalena, em Sapopemba, os líderes conseguiram avançar nas negociações: os monitores dos programas voltados para a juventude não tentam "conquistar" os adolescentes que trabalham para o tráfico. No entanto, se algum deles desejar abandonar a venda de drogas, e não tiver dívidas, tem o aval dos chefões.
Na média, o salários dos jovens que vendem drogas, os "aviões", é de R$ 150 mensais. Eles recebem armas e passam a ter status entre a comunidade adolescente.


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