São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000

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Creche vira local de venda de drogas e é destruída

DA REPORTAGEM LOCAL

Na Vila Aimoré, extremo leste de São Paulo, quando as crianças dizem que vão brincar na creche os pais entram em pânico. A situação inusitada tem explicação: o tráfico tomou conta do prédio onde funcionava a creche local.
A Creche Municipal da Vila Aimoré é o retrato da violência na periferia da capital. Há cerca de seis anos, o prédio alagou durante as enchentes que ocorrem no bairro na época do verão.
A creche foi fechada pela prefeitura e, segundo os moradores, passou a funcionar como ponto-de-venda de drogas e esconderijo de carros roubados. Vizinhos da antiga creche contam que, para evitar que a prefeitura reabrisse a creche, usuários de entorpecentes e "aviões" (vendedores de droga) começaram a destruir o prédio.
As fiações elétricas, louças de banheiro e cozinha, além dos armários, foram saqueados. Ficou apenas o esqueleto do prédio abrigando o crime.
Famílias moradoras do entorno da creche decidiram o seguinte: se o prédio não é adequado para abrigar uma creche, é ainda menos propício para virar esconderijo de traficante.
Durante vários meses, pais de família, em sigilo, ajudaram a destruir o prédio, derrubando teto e paredes para tentar conter a violência naquele quarteirão. Hoje a creche parece um cenário de guerra. Um prédio sem teto e com paredes semidestruídas.
"Eu agradeço pela destruição desse prédio. Teria sido muito pior ter deixado ele de pé, abrigando esse monte de desocupados", diz F.A.G., moradora do bairro.
As crianças que moram nas duas ruas mais próximas da creche passam o dia sendo vigiadas pelos pais para não sair de casa. O problema é que os escombros são o único lugar mais ou menos interessante para a criançada, que costuma se divertir subindo e descendo nas ruínas.
"Aqui durante o dia tem gente fumando maconha e à noite tem gente vendendo tudo", diz o morador A.O.
A luta dos moradores, diz a líder comunitária Risomar Silva de Oliveira, a Dora, é pela construção de uma escola de educação infantil e de um salão para atender as crianças. Dora diz que o centro poderia garantir a alimentação e a higiene das crianças, mas hoje não há onde atendê-las.
Nos últimos seis meses, cinco mulheres tiveram os filhos pequenos recolhidos pela Justiça por falta de condições de criá-los. "Se essas crianças tivessem um lugar seguro para passar o dia, não precisariam ter sido afastadas das mães", diz Dora.
A situação dessa creche é extrema, mas a realidade não é muito diferente em escolas localizadas no entorno de pontos-de-venda de drogas. Grupos rivais de traficantes já trocaram tiros na porta da Escola Municipal Arlindo Caetano Filho, em Sapopemba, zona leste da cidade.

Medo
Líderes do bairro contam que traficantes mandam recados para os diretores dessas e de outras escolas para que dispensem os alunos mais cedo.
"Os alunos ficam assustados e os professores não querem trabalhar nessas áreas de risco", diz a coordenadora de um centro comunitário.
A escola estadual do Jardim Iguatemi chegou a fechar o turno da noite por dois dias, em outubro, pela mesma razão.
A Escola Estadual Ermelino Matarazzo, após a chacina ocorrida em agosto no Jardim Verona, teve de dispensar os alunos da noite uma hora e meia mais cedo para que eles conseguissem chegar em casa em um horário considerado relativamente seguro.
As diretoras dessas escolas costumam negar tudo. Dizem apenas que os alunos são liberados mais cedo porque os pais vêm pegá-los antes da hora.

Muro
A coordenadora do Conseg (Conselho de Segurança) de Guaianazes, Ruth Pereira Karbstein, conta que a Escola Municipal Arthur Neiva encontrou uma solução criativa para abrir a quadra de esportes para a comunidade e, ao mesmo tempo, preservar sua segurança: murou o local, isolando a sede da escola. "É uma forma de abrir a escola sem se envolver em confusão", diz Ruth.
O coordenador do Conseg de Cidade Tiradentes (zona leste), Antônio Lopes de Souza, cujo antecessor foi assassinado, teve a seguinte idéia para fazer as denúncias da população chegarem até a polícia sem correr risco de vida. Na última quinta-feira do mês, quando o conselho se reúne, ele coloca uma urna à disposição da população. As pessoas depositam denúncias, geralmente anônimas, na urna. Esse material é recolhido diretamente pela polícia, sem passar pelas mãos dos líderes comunitários. (GA)


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