|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Toque de recolher barra aprendizado
DA REPORTAGEM LOCAL
O sonho de Soraia S. não
tem nada de missão impossível: "Eu queria escrever
meu nome e ler placa de ônibus", conta.
Empregada doméstica,
mãe de cinco filhos, Soraia
queria se livrar das pequenas
humilhações a que se submete ao perguntar que ônibus é aquele que está passando ou ao fazer um "x" quando lhe pedem que assine um
documento. Foi por isso que
ela entrou, aos 28 anos, num
curso de alfabetização de
adultos nos confins da zona
leste de São Paulo.
Após seis meses de aula,
Soraia conseguiu realizar
metade do sonho: aprendeu
a escrever o nome. É que entre o sonho de Soraia e o curso de alfabetização, improvisado numa garagem na casa
da professora, havia uma
guerra entre traficantes.
"Tive de faltar mais de um
mês na aula. Por isso que eu
não aprendi a ler. Os traficantes não deixavam a gente
andar à noite na rua. Tinha
tiroteio quase toda noite. O
meu vizinho, coitado, foi
morto na porta do colégio."
A professora Selma P., 23,
confirma o toque de recolher imposto por traficantes
da favela localizada a dez minutos da sala de aula.
"Eles deixaram um aviso
na igreja: quem ficar depois
das nove da noite na rua,
morre. Eu não sou louca de
desobedecer. Soltei os alunos meia hora antes do horário", conta.
Soraia, a que sonha ler placas de ônibus, tem razões de
sobra para temer o narcotráfico. Alagoana de União dos
Palmares, onde trabalhava
numa fazenda de gado como
empregada doméstica, ela
chegou a São Paulo em 1996.
Um ano depois, perdeu o
marido.
"Mataram meu marido na
porta do bar. Foi no meio de
uma discussão. Coisa besta.
Minha filha tinha 2 anos e
viu o crime. Com 5 anos, ela
viu o tio ser morto. Vive assustada a menina. Não pode
ouvir bombinha de São
João. Morre de medo", diz.
Texto Anterior: Creche vira local de venda de drogas e é destruída Próximo Texto: Ponto de crack impede alfabetização de adultos Índice
|