São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000

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Toque de recolher barra aprendizado

DA REPORTAGEM LOCAL

O sonho de Soraia S. não tem nada de missão impossível: "Eu queria escrever meu nome e ler placa de ônibus", conta.
Empregada doméstica, mãe de cinco filhos, Soraia queria se livrar das pequenas humilhações a que se submete ao perguntar que ônibus é aquele que está passando ou ao fazer um "x" quando lhe pedem que assine um documento. Foi por isso que ela entrou, aos 28 anos, num curso de alfabetização de adultos nos confins da zona leste de São Paulo.
Após seis meses de aula, Soraia conseguiu realizar metade do sonho: aprendeu a escrever o nome. É que entre o sonho de Soraia e o curso de alfabetização, improvisado numa garagem na casa da professora, havia uma guerra entre traficantes.
"Tive de faltar mais de um mês na aula. Por isso que eu não aprendi a ler. Os traficantes não deixavam a gente andar à noite na rua. Tinha tiroteio quase toda noite. O meu vizinho, coitado, foi morto na porta do colégio."
A professora Selma P., 23, confirma o toque de recolher imposto por traficantes da favela localizada a dez minutos da sala de aula.
"Eles deixaram um aviso na igreja: quem ficar depois das nove da noite na rua, morre. Eu não sou louca de desobedecer. Soltei os alunos meia hora antes do horário", conta.
Soraia, a que sonha ler placas de ônibus, tem razões de sobra para temer o narcotráfico. Alagoana de União dos Palmares, onde trabalhava numa fazenda de gado como empregada doméstica, ela chegou a São Paulo em 1996. Um ano depois, perdeu o marido.
"Mataram meu marido na porta do bar. Foi no meio de uma discussão. Coisa besta. Minha filha tinha 2 anos e viu o crime. Com 5 anos, ela viu o tio ser morto. Vive assustada a menina. Não pode ouvir bombinha de São João. Morre de medo", diz.


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