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URBANIDADE
Ilustração Vincenzo Scarpellini
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HOTEL JARAGUÁ E EDIFÍCIO MAPPIN Do viaduto do Chá é possível avistar dois relógios que se revezaram: um voltou a funcionar justo quando o outro foi desligado. A relação entre relógios e tempo lembra a relação que os registros sismográficos estabelecem com o terremoto: seus trépidos movimentos não podem ser comparados à vastidão do fenômeno e, contudo, são capazes de exprimi-lo. (VINCENZO SCARPELLINI)
O corpo é uma sala de aula
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Com suas cítaras e gestos
sensualmente suaves, a
música indiana começou a mover
os corpos de adolescentes na favela da Maré, no Rio de Janeiro, e se
estendeu até o bairro do Belenzinho, em São Paulo. O surpreendente elo asiático entre as duas
paisagens urbanas, palcos tão distantes e diferentes, é o resultado
de uma experiência com a dança.
Nesse projeto de arte-educação,
sensualidade e misticismo da Índia se infiltram nos ritmos da zona leste paulistana, onde imperam o rap e o pagode, e nos da zona norte carioca, do funk e do
samba. Mas as misturas não param por aí.
Um dos mais famosos coreógrafos brasileiros, Ivaldo Bertazzo
começou a ensinar dança contemporânea na favela da Maré,
cercado de traficantes (e de tiros)
por todos os lados -um passo
bem diferente para quem estava
tão acostumado a mover a elite
paulistana.
Pesquisando ritmos pelo mundo, Bertazzo viu na sutileza da
música indiana um dos elementos para fazer os jovens, endurecidos pela violência, descobrirem o
próprio corpo. Surgiu, então, um
problema: os dançarinos, soltos
em seus movimentos físicos, começaram a perceber outras limitações. Quando a experiência
chegou a São Paulo, incorporaram-se novas misturas. "Aprendi
que precisávamos mais do movimento corporal para que eles pudessem se expressar." O que se
pretendia era fazer do corpo uma
sala de aula, reinventando a dança -e, ao mesmo tempo, agregando-lhe mais linguagens.
Às aulas de dança acoplaram-se programas de língua portuguesa para que os alunos tivessem a
habilidade de falar com clareza
de suas reflexões e emoções.
Acrescentaram-se também lições
de matemática, extraída dos
compassos. A equipe cercou-se de
psicólogos e assistentes sociais para lidar com as dores e frustrações
que saíam em meio a todas as
descobertas.
A mistura inusitada de passos,
letras, números e Índia tem pretensões bem maiores do que se
restringir a um punhado de dançarinos do eixo Maré-Belenzinho,
unindo as zonas leste paulistana
e norte carioca. Além dos estudantes, são treinados ao mesmo
tempo professores capazes de replicar a experiência de transformação do corpo em sala de aula.
"Ao aprenderem a lidar com os
segredos e as sutilezas do corpo, os
jovens começam a lidar com si
próprios", diz Bertazzo.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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