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São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2003

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URBANIDADE

Ilustração Vincenzo Scarpellini
HOTEL JARAGUÁ E EDIFÍCIO MAPPIN Do viaduto do Chá é possível avistar dois relógios que se revezaram: um voltou a funcionar justo quando o outro foi desligado. A relação entre relógios e tempo lembra a relação que os registros sismográficos estabelecem com o terremoto: seus trépidos movimentos não podem ser comparados à vastidão do fenômeno e, contudo, são capazes de exprimi-lo. (VINCENZO SCARPELLINI)


O corpo é uma sala de aula

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Com suas cítaras e gestos sensualmente suaves, a música indiana começou a mover os corpos de adolescentes na favela da Maré, no Rio de Janeiro, e se estendeu até o bairro do Belenzinho, em São Paulo. O surpreendente elo asiático entre as duas paisagens urbanas, palcos tão distantes e diferentes, é o resultado de uma experiência com a dança.
Nesse projeto de arte-educação, sensualidade e misticismo da Índia se infiltram nos ritmos da zona leste paulistana, onde imperam o rap e o pagode, e nos da zona norte carioca, do funk e do samba. Mas as misturas não param por aí.
Um dos mais famosos coreógrafos brasileiros, Ivaldo Bertazzo começou a ensinar dança contemporânea na favela da Maré, cercado de traficantes (e de tiros) por todos os lados -um passo bem diferente para quem estava tão acostumado a mover a elite paulistana.
Pesquisando ritmos pelo mundo, Bertazzo viu na sutileza da música indiana um dos elementos para fazer os jovens, endurecidos pela violência, descobrirem o próprio corpo. Surgiu, então, um problema: os dançarinos, soltos em seus movimentos físicos, começaram a perceber outras limitações. Quando a experiência chegou a São Paulo, incorporaram-se novas misturas. "Aprendi que precisávamos mais do movimento corporal para que eles pudessem se expressar." O que se pretendia era fazer do corpo uma sala de aula, reinventando a dança -e, ao mesmo tempo, agregando-lhe mais linguagens.
Às aulas de dança acoplaram-se programas de língua portuguesa para que os alunos tivessem a habilidade de falar com clareza de suas reflexões e emoções. Acrescentaram-se também lições de matemática, extraída dos compassos. A equipe cercou-se de psicólogos e assistentes sociais para lidar com as dores e frustrações que saíam em meio a todas as descobertas.
A mistura inusitada de passos, letras, números e Índia tem pretensões bem maiores do que se restringir a um punhado de dançarinos do eixo Maré-Belenzinho, unindo as zonas leste paulistana e norte carioca. Além dos estudantes, são treinados ao mesmo tempo professores capazes de replicar a experiência de transformação do corpo em sala de aula. "Ao aprenderem a lidar com os segredos e as sutilezas do corpo, os jovens começam a lidar com si próprios", diz Bertazzo.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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