São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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CECILIA GIANNETTI

De quando me despluguei


Na primeira vez que tentei me desconectar, a TV foi o primeiro corte. Bem no comecinho dos anos "00"

NÃO CABE NOS dedos de minhas duas mãos a quantidade de amigos meus que passaram a última semana inteira acampados, no esquema de barraquinhas, comida improvisada e... alta tecnologia.
Este é o segundo ano que não consigo me juntar a eles na aventura da Campus Party por conta de trabalhos que transformam minha agenda num repolho de post-its e levantam suspeitas sobre se eu sou mesmo um ser humano ou um robô, por acaso desviado das demais atrações do evento, sem sentimentos e capaz de quase perder a própria festa de aniversário "por causa de um prazo de entrega de trampo", conforme andam dizendo por aí. E é tudo verdade. Não tenho coração -isso já foi comprovado em aulas de spinning, quando tentavam encontrar meus batimentos cardíacos, sem êxito, mas tenho banda larga.
Adoraria ter ido à Campus Party morar numa barraca com meus amigos, apesar de todos nós já termos passado dos 30 anos e reclamarmos muito de dores nas costas e tendinite (sintomas que as próximas gerações que nascem ligadas ao notebook como fosse este um cordão umbilical passarão a sentir cada vez mais cedo).
Mas, agora, só depois. A festa acabou e cada participante hoje se diverte em casa com os vídeos e fotos feitos no Centro de Exposições Imigrantes, que abrigou a baderna digital, além de arquivos e informação trocados sob a conexão mais poderosa do país durante o evento. Todos ainda tentando recuperar o organismo da maratona de fast-food e noites mal ou nada dormidas entre barracas e bytes.
Eu me lembro bem das duas ocasiões em que tentei me desplugar completamente. Numa delas, a mais recente, acabei sendo recompensada com picadas de pulga e uma intoxicação alimentar, numa cidadezinha de fim de mundo onde nem internet havia e a televisão só pegava um canal aberto.
Na primeira vez que tentei me desconectar, a TV foi o primeiro corte. Bem no comecinho dos anos "00". Escolha logo testada de maneira cruel: em pouco tempo começou uma Copa do Mundo e acabei sendo obrigada a ir à rua algumas várias vezes, por volta das 7h, para assistir de pé aos jogos na tevêzinha de uma mercearia. À noite, o pub irlandês com jeito de boteco na Ronald de Carvalho contribuía com sua grande tela ligada na CNN ou MTV. Fiquei relativamente segura nessa rede improvisada até o fim daquela Copa, como quem para de fumar aos poucos, sem grande ansiedade, por nunca ter sido um tabagista de verdade. A falta de web eu resolvia em cibercafés, furtivamente, rendez-vous eletrônicos de Copacabana cheios de turistas, prostitutas e adolescentes jogando Dungeon Siege.
Fui deixando de me preocupar com um e outro programa e seriado que perdia, até que esqueci que existiam. (Isso era possível porque "Lost" não existia, então). Ganhei mais tempo livre para desbravar uns livros comprados fazia muito, muito tempo, na era da internet discada, e que permaneciam entregues às traças dos sebos de origem.
Cheguei mesmo a retomar minhas caminhadas na praia: vieram os surfistas de outono, vagabundos e bonitinhos, os poodles vestidos com roupinhas de crochê e as noites estreladas com promoções de Guinness no pub. Um verão sem overdose de ar-refrigerado nem downloads ou séries de TV. A natureza sorria para uma ex-viciada. Se toda criança ao menos uma vez já tentou se plugar diretamente via dedo na tomada, eu tinha decidido puxar o fio com força total para arrancá-lo da parede. Velhos tempos...


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