São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

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SP CHIQUE

Na Oscar Freire, lojistas que não pagavam pelo serviço viam desaparecer suas mercadorias; vigias faziam parte do esquema

Policial arma furto para vender segurança

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Polícia Civil de São Paulo anunciou ter desvendado um esquema de venda de segurança à base de ameaças contra comerciantes de uma das ruas mais sofisticadas de São Paulo -a Oscar Freire, nos Jardins, o epicentro das grifes caras na cidade.
Um grupo, que seria comandado por um soldado da Polícia Militar, oferecia segurança às lojas. Quem não aceitasse pagar cerca de R$ 1.000 ao mês pelo serviço, tinha o seu estabelecimento furtado. Lojas famosas, como a Ellus e a Track & Field, foram arrombadas e furtadas à noite por integrantes desse grupo.
De nada adiantou terem alarmes da Siemens Building Technologies, uma das gigantes na área de segurança privada.
Dois seguranças de moto, que deveriam checar o que ocorria quando os alarmes disparavam, também faziam parte do esquema, segundo a polícia. Em vez de comunicar o arrombamento, informavam que ocorrera apenas um disparo acidental.
Os dois eram funcionários da Power, empresa que tem 4.000 funcionários e uma das maiores do país nesse mercado, para a qual a Siemens terceirizou a checagem dos alarmes.

Seis indiciados e um preso
O 78º Distrito Policial, que investigou o caso, indiciou seis pessoas sob a acusação de furto. Só o soldado Marcelo Losano, porém, está preso desde a última segunda-feira nas instalações da Corregedoria da Polícia Militar. É a chamada prisão administrativa.
O coronel Paulo Mássimo, corregedor da PM, disse que a prisão foi decidida porque as suspeitas que recaem sobre o soldado "são muito graves".
"É o primeiro caso que investigamos de um grupo que furtava para angariar contratos de segurança", afirma o coronel.
Os policiais do 78º Distrito Policial demoraram cinco meses para identificar o grupo que atuava na Oscar Freire. O caso começou a ser investigado em janeiro, quando comerciantes começaram a relatar as ameaças. Oito casos de furtos, ocorridos no final do ano passado e no começo deste, foram notificados à polícia.
No meio da investigação, apareceu uma testemunha que os policiais consideram chave -só concordou em falar sob sigilo (o que é legal) e depois que ofereceram a ele a entrada no Sistema de Proteção a Testemunhas se sofresse ameaças.
Foi assim que os investigadores descobriram uma das provas do furto. Um dos seguranças que trabalhava com o policial guardara em casa jeans da Ellus que tinha furtado na loja da Oscar Freire.
Os seguranças furtavam objetos de desejo dos mais pobres, como jeans e óculos de sol das grifes. O volume furtado nunca era grande, de acordo com o coronel. "De jeans, não levaram mais do que meia dúzia de peças", ilustra.
O núcleo do grupo, segundo o corregedor da PM, era formado pelo soldado Losano e mais dois seguranças, um dos quais era policial reformado.
Um dos seguranças confirmou aos investigadores que participara dos furtos, mas disse que o soldado, a quem era subordinado, não sabia de nada.

O relato do soldado
O soldado contou nos dois depoimentos que prestou, no 78º DP e na Corregedoria, que não sabia das atividades criminosas dos seguranças. Na delegacia, admitiu que mandara furtar uma placa luminosa do Café Animalle. Na Corregedoria da PM, negou que tenha dado ordem.
Losano entrou na polícia em 1991 e ganhava cerca de R$ 1.500, segundo a Corregedoria. Ele contou ao corregedor que trabalhava como segurança na Oscar Freire há cinco anos. Lá, arrecadava com os comerciantes cerca de R$ 9.000, que dividia com outros dois seguranças. Ou seja, o seu ganho no "bico" era o dobro do seu soldo como policial.
As normas da polícia proíbem o "bico". Na prática, porém, a atividade é tolerada como uma espécie de contrapartida aos baixos salários que a corporação paga.
O soldado tinha tanta certeza da impunidade que fornecia a seus clientes da Oscar Freire RPAs, uma sigla bem ao gosto dos policiais. Quer dizer "recibo de pagamento autônomo".


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