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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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HABITAÇÃO

Mesmo sem apoio dos maridos, líderes ou simples participantes dos movimentos dizem buscar proteção para a família

Mulheres tomam a dianteira nas invasões

DA REPORTAGEM LOCAL

As explicações para a presença maciça de mulheres entre os sem-teto do centro de São Paulo são diversas. Começam pelas estatísticas, que mostram um avanço do sexo feminino comandando as casas. O percentual de mulheres chefes de família passou de 18,1%, em 1991, para 24,9%, em 2000, segundo dados do IBGE. Em contrapartida, as taxas de desemprego para elas chegam a ser duas vezes maiores que a média.
Também não são raros os casos de mulheres casadas que atuam nas invasões dos sem-teto mesmo sem serem apoiadas por seus maridos. "A luta começa dentro de casa. Meu marido prefere morar de favor do que me acompanhar", conta Darci Salles, 59, que, desempregada e sem dinheiro para alugar uma casa, participou da ocupação na rua Aurora junto com a filha de 16 anos. Ela é uma das líderes do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro).
"As mulheres são mais engajadas", afirma Lisete Gomes, 36, uma das coordenadoras do MSTC. O marido dela "não participa da luta", mas mora com ela dentro de uma antiga ocupação na rua Ana Cintra. "Ele tem medo da polícia", diz ela, que não é filiada a nenhum partido.
Com ensino médio completo, Gomes era assistente administrativa de uma loja e aderiu aos sem-teto depois de ficar mais de um ano desempregada. "Fiquei devendo cinco meses de aluguel", diz ela. "Tenho 14 irmãos. A maioria me recrimina, mas também não vai querer que eu more na casa deles", afirma.
A coordenadora do MSTC Ednalva Franco, 30, é mais radical sobre a participação masculina. "As mulheres são mais determinadas. Se eu dependesse do meu marido, estaria na rua", afirma ela, que mora com ele e os dois filhos atualmente em uma ocupação dos sem-teto da rua Brigadeiro Tobias.
Franco diz que aderiu às invasões quando "a água começou a bater no traseiro". "A gente morava de aluguel e não tinha mais como pagar. Ficaríamos na rua", diz. O marido dela é hoje vendedor de lanches. Ela está no primeiro ano do curso de direito. Faz estágio em uma ONG ligada ao movimento de moradia para pagar a mensalidade de R$ 433.
Franco tem hoje dois filhos. Um deles, de um ano e sete meses, "foi feito e nasceu" quando ela estava em uma ocupação. A história dela se repete hoje nos edifícios invadidos. Somente no da avenida Ipiranga havia na semana passada mais de dez mulheres grávidas. Uma delas, Andreza Cristina, 21, prestes a dar à luz. "Eu estava na casa da minha mãe. Meu marido ficava na do irmão dele. Morar de favor é complicado", diz.

Moradores de rua
Ivaneti de Araújo, 30, coordenadora-geral do MSTC, morou na rua com a família durante três meses antes de passar a atuar em entidades de moradia.
Com marido e três filhos, ela ficou desempregada e foi despejada da casa onde morava de aluguel. Era final de 1997. Acabaram debaixo do viaduto do Glicério.
Foi como moradora de rua que ela passou a frequentar reuniões para obter habitação. Em 1999, participou de uma invasão a um prédio estadual da rua Ana Cintra, onde mora até hoje, com 87 famílias. O governo quer a reforma do edifício e a venda financiada de cada unidade por R$ 42 mil. Os sem-teto querem pagar menos. Até agora não houve acordo.
O marido de Araújo, que vendia churrasco no parque Dom Pedro, atualmente trabalha em uma metalúrgica, ganhando R$ 700.
"Hoje ele não atua muito. Ele é muito nervoso, quer resolver de outras maneiras", diz Araújo, justificando a ausência do marido na ocupação da última semana.
A líder do MSTC nasceu em Guariba (337 km de SP) e, como boa parte dos coordenadores, é filiada ao PT -desde os 18 anos. Ela é crítica, porém, dos governos Lula e Marta Suplicy e nega interferências partidárias no grupo.
Marinei Rosa Silva, 41, que também integra a coordenação do MSTC, também já morou 15 dias na rua, após ser despejada da casa onde morava de aluguel. Hoje vive na favela do Gato. "A mulher busca mais porque quer a proteção dos filhos", diz ela, que tem sete filhos e três netos.
(ALENCAR IZIDORO)


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