São Paulo, Terça-feira, 27 de Julho de 1999
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ABASTECIMENTO
Projeto criado pelo governo pretende desestimular o desperdício de água e a poluição de rios
Empresas vão pagar por uso de água

MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília

O governo vai cobrar tarifas de indústrias e de empresas de abastecimento de água e saneamento pelo uso das águas e pelo lançamento de resíduos e esgoto em rios.
A medida está pronta para ser submetida ao Congresso e faz parte do pacote destinado a pôr ordem no uso da água -considerado um bem público ""esgotável" e dotado de valor econômico. Trata-se de uma prioridade da pauta política do governo para depois do recesso parlamentar.
A cobrança pelo uso da água, até agora limitada aos produtores de energia elétrica, poderá aumentar em até 1,5% o preço dos produtos dessas empresas, inclusive as contas de água e esgoto, assim como o preço dos produtos da agricultura irrigada, segundo estimativas ainda preliminares da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente.
A idéia da tarifa é desestimular o desperdício de água e a poluição de rios em áreas de grande concentração populacional e de indústrias, ou onde a água é escassa, como na região Nordeste.
O principal alvo são os usuários de água na bacia do rio Paraíba do Sul, que se estende pelos Estados de São Paulo, do Rio e de Minas, numa região que concentra 10% da geração do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. A bacia é apontada como a área de maior conflito por água no país.
Não se cogita cobrar pela água de pequenos núcleos habitacionais ou de pequenos empreendimentos, nem em regiões onde a água é abundante, como o Norte.
O dinheiro será arrecadado pela futura Agência Nacional de Água, batizada de ANA, que funcionará como as agências de energia elétrica (Aneel), de telecomunicações (Anatel) e do petróleo (ANP), cujos dirigentes têm mandato fixo.
A criação da ANA é apontada como um pré-requisito importante à privatização das empresas de saneamento, um dos principais negócios do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
""Não é para reforçar os cofres públicos da União, nem dos Estados, mas um valor simbólico para ajudar a manter as bacias", insistiu Raymundo Garrido, secretário de Recursos Hídricos. O dinheiro será repassado a comitês de administração das bacias, mediante contratos de gestão.
Responsável pela redação dos projetos de lei que criam a ANA e definem o sistema de gestão dos recursos hídricos, Garrido identifica os produtores de energia elétrica como potenciais adversários da idéia. O setor elétrico perderia o poder que detém hoje de administrar os rios e teme ver aumentada a carga de tarifa. Atualmente, as empresas já pagam cerca de R$ 550 milhões por ano aos Estados e municípios a título de compensação financeira.
O governo estuda a aplicação de parte desse dinheiro na recuperação da qualidade das bacias, o que poderia atingir Tesouros estaduais e municipais. Essa alternativa abriria outra provável frente de resistência ao projeto.
""A pior hipótese para o setor seria a ausência de gestão e a contínua disputa pelo uso da água", alega Garrido. ""Hoje não existe gestão hídrica, é a lei das selvas", resume Jerson Kelman, especialista em recursos hídricos e consultor do Ministério do Meio Ambiente.
Exemplo dessa ""lei das selvas" é o uso tradicional dos rios no país. Os usuários se apropriam livremente dos rios para captar ou despejar poluentes sem zelar pelos usuários que lançarão mão de suas águas mais abaixo.
O principal instrumento de gestão do uso das águas é a outorga, concedida pela União ou pelos governos estaduais, dependendo do rio. A autorização vale pelo prazo de 35 anos, podendo ser renovada por períodos de dez anos.
A outorga não garante aos usuários da água sua disponibilidade incondicional. Outra novidade dos projetos é a possibilidade de a água ser racionada. "O direito de uso de recurso hídrico tem natureza relativa, ficando o seu exercício condicionado à disponibilidade hídrica e ao regime de racionamento", diz um dos projetos.
Antes de ser encaminhados ao Congresso no início de agosto, os projetos serão discutidos em seminário no Palácio do Planalto. O Estado de São Paulo também estuda cobrar pela água.




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