São Paulo, Terça-feira, 27 de Julho de 1999
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SAÚDE
Complexos hospitalares da USP e da Unicamp desviam verbas do SUS para pagamentos de salários
Uso de verbas em hospitais é investigado

SORAYA AGÉGE
Editora da Folha Campinas

PRISCILA LAMBERT
da Reportagem Local

Os complexos hospitalares da USP e da Unicamp estão desviando parte do dinheiro do SUS (Sistema Único de Saúde), destinado a cobrir as faturas de atendimentos de doentes pela rede pública, para pagar médicos e funcionários. A medida pode ser ilegal.
As duas universidades também estão sendo investigadas pela prática de uma espécie de "apartheid" entre pacientes particulares e os que dependem da rede pública, nos atendimentos em hospitais universitários, mantidos por verbas do SUS e governo do Estado.
A falta de controle e fiscalização sobre o dinheiro foi admitida pelo CNS (Conselho Nacional de Saúde), do Ministério da Saúde.
Essas falhas serão discutidas entre os próximos dias 11 e 12 em uma oficina de trabalho em Brasília, com as cúpulas do setor.
Segundo o coordenador-geral do CNS, Nelson Rodrigues dos Santos, 63, o uso de verba do SUS para complementar salários de professores deve ser regularizado, a partir da adoção de normas mais claras, para evitar desvios.
A Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) é investigada pelo desvio de finalidade do dinheiro do SUS, usado para dobrar salários de 368 professores por meio do Fucs (Fundo de Complementação Salarial).
Do total de R$ 64 milhões por ano que recebe do SUS, R$ 10,2 milhões vão para o Fucs e R$ 5,8 milhões para custear viagens acadêmicas, pesquisas e obras.

HC
No Hospital das Clínicas de São Paulo, a prática é semelhante.
Segundo a assessoria de imprensa do hospital, 40% da verba da Fundação Faculdade de Medicina da USP (fundação privada mantenedora do HC) é destinada à complementação salarial de funcionários e professores.
Isso significa que cerca de R$ 46,7 milhões dos R$ 116,8 milhões arrecadados pela fundação em 1998 foram usados para salários.
Conforme a própria assessoria de imprensa informou, apenas 12,9% da arrecadação da fundação é proveniente de particulares e conveniados, o que significa que o grosso dos recursos que completam salários de funcionários e professores vêm de verbas públicas, ou seja, do SUS.
A assessoria de imprensa do HC justificou que o orçamento repassado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo não é suficiente para cobrir integralmente a folha de pagamento do hospital e manter os bons profissionais.
O hospital não informou quantos funcionários recebem a complementação nem qual a porcentagem de aumento dos salários.
A Procuradoria já pediu informações sobre os repasses de verbas do SUS para a Unicamp. A investigação da Procuradoria teve início na quinta-feira, a pedido do deputado estadual Renato Simões (PT).
Com relação ao apartheid, ou sistema de "dupla porta de entrada pelo SUS", o CNS se manifesta totalmente contrário, segundo Santos. "Nossa diretriz é contra a existência de uma porta para pobres e outra para ricos."
O CRM (Conselho Regional de Medicina) do Estado já fez uma condenação ética ao sistema de "apartheid" implementado nos hospitais da USP.
Segundo o conselheiro Henrique Carlos Gonçalves, que assinou o parecer, a condenação pode ser estendida hoje para os demais hospitais universitários, como o HC da Unicamp, que mantém uma Policlínica.
"Nós não admitimos esse apartheid na saúde e o condenamos eticamente", disse o conselheiro.
A separação de pacientes particulares e do SUS pela USP é objeto de um inquérito, retomado há um mês pelo Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor), do Ministério Público de São Paulo.
Segundo o promotor do Gaesp Vidal Serrano Nunes Júnior, as ações são ilegais e podem configurar improbidade administrativa dos envolvidos.


Colaborou GUSTAVO PORTO, da Folha Campinas


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