São Paulo, Terça-feira, 27 de Julho de 1999
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"Apartheid" em hospitais é investigado

da Reportagem Local

da Folha Campinas

Demora no atendimento para pacientes SUS, regalias para pacientes particulares ou de convênios. Uma prática que está sendo chamada de "apartheid" é alvo de investigações nos hospitais da USP e da Unicamp.
O Ministério Público de São Paulo está reunindo provas em um inquérito aberto em maio deste ano, que mostra a discriminação de atendimento a pacientes do SUS no Hospital das Clínicas de São Paulo.
O diretor da Associação dos Servidores do HC, Nilson Valério Primo, confirma que há "uma diferença brutal" entre os atendimentos. "As enfermarias para particulares e conveniados não abrem suas portas para pacientes do SUS. Seus leitos, mesmo se ociosos, não podem ser ocupados por esses pacientes. Enquanto isso, há pessoas em macas no corredor", diz Primo. Segundo ele, o laudo de um exame radiológico demora, para pacientes particulares, no máximo dois dias, enquanto um paciente do SUS chega a esperar até 30 dias.
Segundo informações coletadas pelo promotor Vidal Serrano Júnior, que preside o inquérito, o setor de fígado do HC só permite consultas de pacientes do SUS às segundas e quartas-feiras. Os outros dias da semana são destinados a convênios e particulares.
"É estranho o fato de haver apenas dois dias para esses pacientes, que são a maior demanda do hospital", diz o promotor.
Segundo ele, o Ministério Público está em negociação com o hospital para solucionar a situação. O HC foi procurado desde a última sexta-feira, mas a reportagem foi informada de que o superintendente só poderia se pronunciar sobre o caso hoje.
Na Unicamp, pelo menos 40 médicos atendem pacientes particulares, em jornadas de oito horas semanais, em um prédio da universidade, equipado com verbas públicas. O sistema é feito por meio da Funcamp, uma fundação criada pela universidade.
Cada médico recebe cerca de 70% dos pagamentos feitos por seus pacientes e o restante é repassado para a Funcamp. Muitos dos médicos são contratos pela universidade em regime de dedicação integral.
O CRM considera o sistema uma forma de "apartheid". Esse uso de espaço e equipamentos públicos para pacientes particulares foi denunciado à Promotoria Pública de Campinas há dois anos, pelo deputado estadual Renato Simões (PT), mas ainda não há definição sobre o caso.
O STU e a subsecção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Campinas também questionam a Policlínica desde 97.
"A Policlínica é mantida pela Unicamp, foi construída em área pública, tem equipamentos públicos e nela não são garantidos os princípios da gratuidade, universalidade e equidade do sistema público de saúde", afirmou o diretor do STU (Sindicato dos trabalhadores da Unicamp), Jefferson Lee Ruiz.

Regulamentação
No mês passado, o cardiologista Adib Jatene, ex-diretor do Incor (Instituto do Coração), foi a Brasília pedir apoio do senador Antonio Carlos Magalhães (BA) para a criação de um projeto de lei que regulamente a "dupla entrada" nos hospitais públicos, permitindo o atendimento de particulares e conveniados. Segundo Jatene, os hospitais não teriam como sobreviver sem os recursos vindos de particulares e conveniados.
O projeto de lei foi concluído pelo senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE) e deve ser votado em agosto, após o recesso parlamentar. O projeto estabelece um teto de 25% dos leitos dos hospitais para pacientes de convênios ou particulares. No entanto o texto não faz menção à diferenciação no atendimento. (PL e SA)


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