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memórias
"Fui expulsa do colégio interno"
ANA MARIA BRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Sou filha única, e nasci
quando meu pai estava
com 62 anos. Ele era um
italianão bem de vida, teve
o primeiro posto de gasolina em São Joaquim da
Barra (MG), e para ele referência de boa educação
eram os colégios internos
de freiras. Quando completei nove anos, ele, beirando os 70, me achava barulhenta e decidiu me internar no colégio Nossa
Senhora de Lourdes, em
Franca, onde fiquei até ser
expulsa, aos 13.
Éramos 130 internas. Só
era permitido sair do internato e passar uma tarde
com os pais no primeiro
domingo de cada mês, e
mesmo assim se tivesse a
fita com uma medalhinha
do Sagrado Coração de Jesus que a "ma mère" (em
francês, minha mãe), uma
espécie de superbedel, distribuía como prêmio por
bom comportamento.
Meu dormitório tinha
90 camas. Éramos acordadas às 5h -com palmas- e
tínhamos que rezar. Todas
dormiam com um camisolão, e tínhamos que colocar roupa diária por baixo
dele -era pecado mostrar
qualquer pedacinho da canela. Já de uniforme, faziam outra oração. Rezávamos antes e depois de
comer. Antes de cada aula,
mais um pai-nosso e uma
ave-maria. No almoço, repetia-se o ritual do café.
Depois da aula, era a hora do banho, que a gente
tomava com outro camisolão. Depois do jantar, vinha o culto e outro malabarismo: tirar o uniforme
vestidas com o camisolão.
Acabei expulsa, porque
roubava fruta da horta das
freiras e assaltava a dispensa dos doces que nossos pais mandavam. Um
dia a "ma mère" me pegou
comendo doce de figo em
calda -que eu adorava-
escondido. Fui obrigada a
comer o pote inteiro, dois
quilos. Comi até vomitar e
fui parar no hospital com
intoxicação. Até hoje, não
coloco figo na boca.
Como havia muitas normalistas, meninas lindas
mais velhas e enclausuradas, era normal haver cenas de lesbianismo. Lógico, né: se não é sua opção
ser carmelita, um regime
desses é impossível. Meu
pai ainda me colocou em
um colégio em Jardinópolis (SP), mas esse era mais
light. Não digo que abomino essa fase da minha vida,
mas não colocaria meus filhos em internato. Não
acredito na castração da liberdade de escolha."
Ana Maria Braga, 57, é apresentadora
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