São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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memórias

"Fui expulsa do colégio interno"

ANA MARIA BRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Sou filha única, e nasci quando meu pai estava com 62 anos. Ele era um italianão bem de vida, teve o primeiro posto de gasolina em São Joaquim da Barra (MG), e para ele referência de boa educação eram os colégios internos de freiras. Quando completei nove anos, ele, beirando os 70, me achava barulhenta e decidiu me internar no colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Franca, onde fiquei até ser expulsa, aos 13.
Éramos 130 internas. Só era permitido sair do internato e passar uma tarde com os pais no primeiro domingo de cada mês, e mesmo assim se tivesse a fita com uma medalhinha do Sagrado Coração de Jesus que a "ma mère" (em francês, minha mãe), uma espécie de superbedel, distribuía como prêmio por bom comportamento.
Meu dormitório tinha 90 camas. Éramos acordadas às 5h -com palmas- e tínhamos que rezar. Todas dormiam com um camisolão, e tínhamos que colocar roupa diária por baixo dele -era pecado mostrar qualquer pedacinho da canela. Já de uniforme, faziam outra oração. Rezávamos antes e depois de comer. Antes de cada aula, mais um pai-nosso e uma ave-maria. No almoço, repetia-se o ritual do café.
Depois da aula, era a hora do banho, que a gente tomava com outro camisolão. Depois do jantar, vinha o culto e outro malabarismo: tirar o uniforme vestidas com o camisolão.
Acabei expulsa, porque roubava fruta da horta das freiras e assaltava a dispensa dos doces que nossos pais mandavam. Um dia a "ma mère" me pegou comendo doce de figo em calda -que eu adorava- escondido. Fui obrigada a comer o pote inteiro, dois quilos. Comi até vomitar e fui parar no hospital com intoxicação. Até hoje, não coloco figo na boca.
Como havia muitas normalistas, meninas lindas mais velhas e enclausuradas, era normal haver cenas de lesbianismo. Lógico, né: se não é sua opção ser carmelita, um regime desses é impossível. Meu pai ainda me colocou em um colégio em Jardinópolis (SP), mas esse era mais light. Não digo que abomino essa fase da minha vida, mas não colocaria meus filhos em internato. Não acredito na castração da liberdade de escolha."


Ana Maria Braga, 57, é apresentadora


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