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OPINIÃO
A segunda porta
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI
Tenho me manifestado contra a
abertura de uma segunda porta
para pacientes privados no Instituto Central do Hospital das Clínicas (ICHC). Entendo como antiético e perverso oferecer em um
hospital público atendimento sem
filas, com melhores acomodações
e entrada diferenciada para aqueles que pagam, sem nenhuma
preocupação com a demanda reprimida dos que não pagam.
Não faço nenhum juízo de valor
a respeito do hospital no qual me
formei e trabalho e que considero
o melhor da América Latina. Tampouco é uma crítica aos que nele
trabalham com dedicação e eficiência. Só procuro demonstrar o
equívoco dessa injusta medida.
O único argumento da superintendência para justificar esse atendimento diferenciado é que ele
renderia recursos significativos.
Para analisar o que se consegue receber com essa segunda porta, tomaremos por base o ano de 1997,
com dados de documentos publicados pelo próprio ICHC.
1) Em 1997, o faturamento decorrente do atendimento aos pacientes privados e de convênios foi
de R$ 3.187.701. Nesse mesmo
ano, o faturamento de procedimentos do SUS pela Fundação Faculdade de Medicina foi de R$
109.775.548,62 e o orçamento executado do ICHC, proveniente do
governo do Estado de São Paulo,
foi de R$ 150.095.428.
2) Portanto, o faturamento com
convênios e privados representou
2,9% do faturamento do SUS,
2,1% do orçamento do Estado para o ICHC e apenas 1,2% do faturamento total para o ICHC. Com
isso, cai por terra o argumento de
que tais recursos melhoram significativamente as finanças.
3) O movimento de pacientes do
SUS no ICHC está estacionário.
Existem áreas, tempo e leitos ociosos no hospital que, se fossem utilizados para o atendimento de
uma maior parcela de pacientes do
SUS (aumentando, com isso, em
apenas 10% o atendimento desses
pacientes), teríamos em 1997 um
aumento de recursos três vezes
maior do que o decorrente do
atendimento a pacientes conveniados e particulares. Portanto desaba também o argumento de que
essa é a única alternativa para melhorar o faturamento do ICHC.
4) A Secretaria da Saúde, com
um aumento dos recursos orçamentários de apenas 2,1%, cobriria todo o faturamento com os privados. E a Fundação Faculdade de
Medicina, que capta recursos do
SUS provenientes de pacientes
atendidos no ICHC, com 2,9% deles colocaria no ICHC o mesmo
montante arrecadado com o atendimento de pacientes privados.
5) Em vez de solucionar o problema dentro dessas alternativas,
a fundação compra imóveis por
mais de R$ 23 milhões e a superintendência do HC gasta R$
17.315.809 para reformar áreas do
hospital destinadas aos pacientes
privados, cujo atendimento determinará um gasto adicional de R$
373.178,30/mês com custeio.
6) Percebe-se que, ao contrário
do que tenta argumentar a superintendência do HC, há um desvio
dos recursos dos pacientes que
não podem pagar para atender
preferencialmente aos que podem.
7) Mesmo que houvesse vantagem econômica (demonstradamente inexistente), só os pressupostos ético e moral já impediriam
que em um hospital construído e
sustentado com dinheiro público,
única alternativa para os mais carentes, fosse aberta uma segunda
porta para aqueles que pagam.
8) Nada tenho contra o atendimento de pacientes de qualquer
nível social nos hospitais públicos.
Penso também que pacientes que
tenham recursos ou planos de saúde devem pagar. O que não pode
ocorrer é um atendimento desigual, determinado pelo poder
aquisitivo dos usuários.
A razão básica de toda essa distorção está em levar o neoliberalismo colonial ao limite extremo
de entender saúde como mercadoria e não como um direito, especialmente em um hospital público
universitário que sempre atendeu
bem -e gratuitamente- a todos.
José Aristodemo Pinotti, 63, é deputado federal pelo PSB-SP e professor titular de ginecologia e obstetrícia da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Foi secretário da
Saúde e da Educação do Estado de São Paulo e
reitor da Universidade Estadual de Campinas
E-mail: jose.pinotti@persocom.com.br
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