|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Menino implorou pela vida
antes de morrer, diz refém
LILIAN CHRISTOFOLETTI
da Reportagem Local
O monitor da Febem Imigrantes Roberto Brasil Alcoforado, 48,
conta em detalhes o que ocorreu
dentro da unidade e como um interno, que pediu piedade aos
agressores, foi assassinado cruelmente dentro da instituição:
"Eu entrei às 19h do domingo
na Febem, com outros sete funcionários da ala C (com 340 menores). Quando cheguei, vi que a
situação estava tensa.
Quando estava na hora de colocar os menores para dormir, mais
ou menos às 21h30, ouvi um grande pipoco (barulho) na ala B (com
140 internos).
Eles arrebentaram um portão,
depois outro e tudo foi estourando. As janelas da nossa ala começaram a ser invadidas. Eles batiam nas janelas com ferro, trave
de vôlei, até arrancá-las.
A adrenalina foi subindo e, naquela hora, a molecada toda levantou e partiu para cima. A gente não tinha mais o que fazer. Arrombaram tudo, a monitoria foi
dominada, apanhou e virou refém.
Eu tomei porrada durante 11
horas. Era pancada nas costas, estiletada nas mãos e chutes. Enquanto me batiam, os menores falavam que eu ia morrer. Aquilo
era tortura psicológica.
Chegaram a me cobrir duas vezes com cobertor cheio de álcool e
falavam que o meu dia havia chegado. Eles batiam com o que encontravam, machado, marreta,
pedaço de cadeira, pau, estiletada
e ferro. Usaram materiais da ala
D, que está em reforma.
Batiam nos monitores e em alguns menores que não aderiram
ao movimento.
Todo momento é assustador. A
sentença de morte já havia sido
dada. Os menores disseram que,
se o batalhão de choque entrasse,
não ia sobrar um para contar a
história. Não adiantava ter medo,
só tinha que argumentar e rezar,
se a gente se lembrasse de rezar.
Eu vi um rapaz ser triturado na
minha frente. Não posso dizer
que ele foi morto, ele foi triturado
e depois jogado ao fogo.
Era um menino de 14 ou 15
anos. Pegaram ele escondido
atrás de uma caixa.
Não dá para saber quantos foram para cima dele. Ele levou estiletada, marretada e muitos chutes. Durou cerca de 20 minutos.
Só pararam quando o menino
virou massa, não havia mais definição do que era.
No início, o garoto implorou
por sua vida, berrou, chorou, mas
foi silenciado de vez. Depois jogaram ele no fogo e riam muito ao
ver a pele estourar.
Foi uma situação brutal, uma
demonstração de força. É injusto
comparar os internos a animais
porque um animal não faz isso.
Os menores invadiram a enfermaria e tomaram álcool e desodorante. Eles bebiam na nossa frente. A situação era deles.
Para mim, a violência deles não
está associada ao álcool, ela é latente nos internos. Ali não existe
criança. São todos "crionças".
A invasão da ala C deveria ter sido evitada se houvesse, como
sempre há, a vigilância (feita pela
Vise Segurança). Só que a vigilância havia se retirado e a área ficou
livre para eles. Isso nunca ocorreu, foi inédito. Não sei se receberam ordem ou se correram (a empresa nega falha na segurança).
As mães acusam os monitores
de bater nos internos. Eu tenho 48
anos e minha mãe me chama de
criança. As crianças nunca crescem para os pais.
Alguns monitores batem, mas o
que é bater? Um puxão de orelha?
A família já acha que isso é espancamento. Manter a ordem não é
espancar.
Puxão de orelha você dá até no
seu filho. Agora, tomar conta de
350 (internos) que não tem nada a
ver com você é bem diferente.
Trabalhos como o do padre Júlio Lancellott não resolvem nada.
A Febem está cheia de internos
dele. Ele desestrutura o sistema e
incita os menores a uma rebelião.
A maioria das pessoas só acredita em Deus quando só tem Ele. Na
hora da rebelião tinha um monte
de Bíblia queimada e ninguém segurou a Bíblia. As mesmas pessoas que rezam, batem e matam.
Se pudessem, guardariam a arma
dentro da Bíblia.
Em 15 dias, se estiver melhor
psicologicamente, volto a trabalhar. Antes, vou entrar com uma
ação contra o Estado pois não sou
pago para apanhar."
Texto Anterior: Carta de monitores convocava parentes Próximo Texto: "Escolha de quem seria jogado era aleatória" Índice
|