São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CIÊNCIAS SOCIAIS
Agências reguladoras e militarização da segurança foram os pontos mais criticados em debate da Anpocs
Encontro termina com ataques ao governo FHC

LUIZ CAVERSAN
ENVIADO ESPECIAL A PETRÓPOLIS

O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso foi fustigado por acadêmicos no mais concorrido debate do 24º Encontro na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), que acabou ontem em Petrópolis (RJ).
Sob o tema "Democracia, atores sociais e accountability" (algo como responsabilização), colegas do presidente, que também é sociólogo, apontaram uma excessiva militarização da segurança pública em seu governo, criticaram o modelo das agências reguladoras dos setores privatizados, o acusaram de alijar a sociedade da discussão de questões estratégicas do país e de ter transformado programas sociais numa "leiteria".
Diante de uma platéia de cerca de 150 pessoas, os debates começaram com a exposição do coordenador da mesa, Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais, que ressaltou o fato de até técnicos do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), órgão ligado ao governo, terem apontado deficiências nas políticas públicas de FHC.
Ele também destacou a dependência dos poderes Judiciário e Legislativo em relação ao Executivo e afirmou: "Haja política social para dar conta dos desacordos e desacertos existentes na estrutura dos poderes no Brasil".
Em sua intervenção, a tucana Maria Hermínia Tavares de Almeida, da USP, avaliou a performance das agências reguladoras dos setores privatizados (Anatel, Aneel, Ana e outras).
Ela disse que "não se tratou de substituir o Estado ativo pelo mercado. Apenas se trocou um tipo de intervencionismo estatal por outro."
Segundo Maria Hermínia, o modelo que se instalou deveria ser o da agência autônoma em relação ao Executivo e aos interesses partidários. "Mas o que se vê é muita briga pelo controle da Anatel, ligada ao PSDB, para esvaziar o poder do Ministério das Comunicações, tradicionalmente nas mãos do PFL."
Para ela, as diretorias das agências espelham uma mistura de interferência político-partidária com a de tecnocratas. "As relações são pouco nítidas, as agências monopolizam as informações e criam oportunidades de relações espúrias entre interesses privados e públicos. Elas são um problema para a constituição de um governo responsável."

Banco Central
A professora da USP Lourdes Sola, amiga pessoal de FHC e Ruth Cardoso, se debruçou sobre a autonomia do Banco Central. Depois de discorrer longamente sobre os modelos de BCs existentes no mundo, ela afirmou que só com a estabilização da moeda proporcionada pelo Real o Banco Central do Brasil começou a assumir "seu papel normativo", de "guardião da moeda".
"A reconcentração de poder político nas mãos do presidente do BC foi legitimada pela estabilidade da moeda", afirmou. Para ela, o BC ganhou autonomia, "mas porque o presidente da República assim determinou".
Jorge Zaverucha, da Universidade Federal de Pernambuco, teve como tema as Forças Armadas e foi o orador mais contundente.
"Recentemente,150 generais se reuniram em Brasília para impedir que o presidente demitisse o comandante do Exército e conseguiram isso. O general José Luiz Lopes, que anos atrás comandou a investida do Exército contra trabalhadores em Volta Redonda, causando mortes, foi nomeado por FHC ministro do Supremo Tribunal Militar, passando de réu a juiz. E as Polícias Militares dos Estados continuam atreladas ao Exército da mesma forma que ocorria no regime militar", afirmou Zaverucha.
Para o pesquisador, o Brasil não vive um regime democrático, mas uma "democracia eleitoral" ou "democracia tutelada, frágil e com enclaves autoritários".
Outros exemplos citados foram o fato de a Justiça Militar estar "inserida no Poder Judiciário e não nas Forças Armadas, os crimes de policiais militares serem julgados pela Justiça Comum e os de soldados, pela Justiça Militar, o que viola o princípio da isonomia entre funcionários. Isso não é Estado de Direito".
Segundo Zaverucha, "FHC nada mudou, ao contrário, promoveu retrocessos, como vincular ainda mais as PMs ao Exército na pessoa de um general de brigada e deixar a Abin, que é uma agência civil, nas mãos de um general da ativa. Quem faz a segurança do presidente é o Exército e não a polícia. Isso é uma excrescência; nem o Pinochet fazia isso".


Texto Anterior: Fundo vincula receita a ensino fundamental
Próximo Texto: "Administração social virou leiteria"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.