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CIÊNCIAS SOCIAIS
Agências reguladoras e militarização da segurança foram os pontos mais criticados em debate da Anpocs
Encontro termina com ataques ao governo FHC
LUIZ CAVERSAN
ENVIADO ESPECIAL A PETRÓPOLIS
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso foi fustigado por acadêmicos no mais
concorrido debate do 24º Encontro na Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em
Ciências Sociais (Anpocs), que
acabou ontem em Petrópolis (RJ).
Sob o tema "Democracia, atores
sociais e accountability" (algo como responsabilização), colegas
do presidente, que também é sociólogo, apontaram uma excessiva militarização da segurança pública em seu governo, criticaram
o modelo das agências reguladoras dos setores privatizados, o
acusaram de alijar a sociedade da
discussão de questões estratégicas
do país e de ter transformado programas sociais numa "leiteria".
Diante de uma platéia de cerca
de 150 pessoas, os debates começaram com a exposição do coordenador da mesa, Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal
de Minas Gerais, que ressaltou o
fato de até técnicos do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas), órgão ligado ao governo, terem apontado deficiências nas políticas públicas de FHC.
Ele também destacou a dependência dos poderes Judiciário e
Legislativo em relação ao Executivo e afirmou: "Haja política social
para dar conta dos desacordos e
desacertos existentes na estrutura
dos poderes no Brasil".
Em sua intervenção, a tucana
Maria Hermínia Tavares de Almeida, da USP, avaliou a performance das agências reguladoras
dos setores privatizados (Anatel,
Aneel, Ana e outras).
Ela disse que "não se tratou de
substituir o Estado ativo pelo
mercado. Apenas se trocou um tipo de intervencionismo estatal
por outro."
Segundo Maria Hermínia, o
modelo que se instalou deveria
ser o da agência autônoma em relação ao Executivo e aos interesses
partidários. "Mas o que se vê é
muita briga pelo controle da Anatel, ligada ao PSDB, para esvaziar
o poder do Ministério das Comunicações, tradicionalmente nas
mãos do PFL."
Para ela, as diretorias das agências espelham uma mistura de interferência político-partidária
com a de tecnocratas. "As relações são pouco nítidas, as agências monopolizam as informações e criam oportunidades de relações espúrias entre interesses
privados e públicos. Elas são um
problema para a constituição de
um governo responsável."
Banco Central
A professora da USP Lourdes
Sola, amiga pessoal de FHC e
Ruth Cardoso, se debruçou sobre
a autonomia do Banco Central.
Depois de discorrer longamente
sobre os modelos de BCs existentes no mundo, ela afirmou que só
com a estabilização da moeda
proporcionada pelo Real o Banco
Central do Brasil começou a assumir "seu papel normativo", de
"guardião da moeda".
"A reconcentração de poder político nas mãos do presidente do
BC foi legitimada pela estabilidade da moeda", afirmou. Para ela,
o BC ganhou autonomia, "mas
porque o presidente da República
assim determinou".
Jorge Zaverucha, da Universidade Federal de Pernambuco, teve como tema as Forças Armadas
e foi o orador mais contundente.
"Recentemente,150 generais se
reuniram em Brasília para impedir que o presidente demitisse o
comandante do Exército e conseguiram isso. O general José Luiz
Lopes, que anos atrás comandou
a investida do Exército contra trabalhadores em Volta Redonda,
causando mortes, foi nomeado
por FHC ministro do Supremo
Tribunal Militar, passando de réu
a juiz. E as Polícias Militares dos
Estados continuam atreladas ao
Exército da mesma forma que
ocorria no regime militar", afirmou Zaverucha.
Para o pesquisador, o Brasil não
vive um regime democrático, mas
uma "democracia eleitoral" ou
"democracia tutelada, frágil e
com enclaves autoritários".
Outros exemplos citados foram
o fato de a Justiça Militar estar
"inserida no Poder Judiciário e
não nas Forças Armadas, os crimes de policiais militares serem
julgados pela Justiça Comum e os
de soldados, pela Justiça Militar, o
que viola o princípio da isonomia
entre funcionários. Isso não é Estado de Direito".
Segundo Zaverucha, "FHC nada mudou, ao contrário, promoveu retrocessos, como vincular
ainda mais as PMs ao Exército na
pessoa de um general de brigada e
deixar a Abin, que é uma agência
civil, nas mãos de um general da
ativa. Quem faz a segurança do
presidente é o Exército e não a polícia. Isso é uma excrescência;
nem o Pinochet fazia isso".
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