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CEDO NA LUTA
Em São Joaquim (SC), juiz autorizou jovens a realizar serviço considerado penoso pelo Ministério do Trabalho
Adolescentes vão à Justiça para colher maçã
AFRA BALAZINA
ENVIADA ESPECIAL A SÃO JOAQUIM (SC)
Aos 15 anos, ele trabalha oito
horas por dia, sem reclamar, em
uma plantação de maçã. Mora em
um sítio, parou de estudar na 6ª
série do ensino fundamental e
seus maiores objetivos são comprar um aparelho de som e se tornar motorista de caminhão.
Anderson Carvalho vive em São
Joaquim (SC), conhecida como a
"cidade da neve" e uma das maiores produtoras de maçã do país.
Ganha R$ 350 por mês. Assim como outros 40 adolescentes da cidade, obteve autorização judicial
para trabalhar.
A lei do aprendiz, de 2000, não
permite que o trabalho de adolescentes entre 14 e 16 anos ultrapasse seis horas diárias. Quando prolongado por um período de oito
horas, deve incluir também a realização de atividades teóricas -o
que não ocorre em São Joaquim.
Bastante polêmica, a autorização para o trabalho de adolescentes dessa idade tem sofrido oposição do Ministério do Trabalho.
Na opinião da médica e auditora
fiscal Christine Sodré Fortes, a colheita e o raleio de maçã (retirada
de frutas excedentes das árvores)
são penosos e não deveriam ser
feitos por adolescentes.
"No raleio, os trabalhadores sobem em escadas, com uma tesoura, para cortar as frutas. Existe o
perigo de cair ou de se cortar. Já
na colheita, carregam bolsas pesadas, que prejudicam as costas, e
são expostos aos agrotóxicos."
O Epagri (órgão estadual de
pesquisa agropecuária) confirma
a ocorrência de intoxicações e
quedas de escada envolvendo trabalhadores da maçã, mas não
possui estatísticas.
Durante o raleio, os adolescentes enfrentam ao mesmo tempo o
sol e frio -nesta época faz 8C na
cidade pela manhã. Eles ficam numa turma de cinco pessoas e conversam enquanto realizam o serviço. Alguns grupos trazem rádios para animar o trabalho.
No período da colheita, a rotina
fica mais difícil. Os jovens carregam até 10 kg de maçã numa bolsa
parecida com a de um carteiro e
buscam as frutas desde a parte inferior até o topo das árvores. "Às
vezes cansa um pouco, mas a gente acostuma", afirma Anderson.
Segundo o juiz da Infância e da
Adolescência Ronaldo Denardi,
que concede os alvarás, trata-se
de uma "grande hipocrisia" não
permitir que os jovens trabalhem.
"As famílias que pedem para o
filho trabalhar são muito simples
e o fazem por necessidade de sobrevivência. Os pais argumentam
que o trabalho é importante para
a educação deles, para que tenham senso de responsabilidade
e para que não fiquem no ócio,
com as conseqüências disso", diz.
Dos 22,8 mil habitantes da cidade, 9,4 mil (ou 41,2%) vivem com
até três salários mínimos, segundo o IBGE. Mas o custo de vida é
alto. Em razão da localização
(perto da bela Serra do Rio do
Rastro) e da dificuldade de acesso,
os produtos chegam mais caro. O
litro da gasolina custa R$ 2,89
-em São Paulo, sai por 2,39.
O trabalho de adolescentes é
visto como algo natural pelos moradores. O juiz começou a trabalhar aos 12 anos. "Por três anos,
exerci trabalho absolutamente insalubre e relativamente perigoso:
era auxiliar de chapeador, consertava carros batidos. Apesar de não
defender esse tipo de trabalho, tenho muito respeito pelo que
aprendi naquela época", afirma.
Ao pedir a autorização, a família
informa sua renda e justifica a necessidade de o jovem trabalhar. O
empregador faz um requerimento, em que menciona o salário do
adolescente e quantas horas ele
trabalhará. Um dos requisitos para obter a permissão é o jovem estudar, mas o juiz diz que essa não
é uma regra absoluta.
Os fiscais do ministério encontraram 20 adolescentes com menos de 16 anos trabalhando na cidade. Mesmo com autorização judicial, empregadores foram multados. O juiz ameaçou prender os
fiscais por desobediência, mas
eles obtiveram liminar que os libera de continuar a multar.
A mãe de Anderson, Justina
Moraes, 36, que também trabalha
numa plantação, organizou um
abaixo-assinado ao saber que o filho poderia ter de deixar o pomar.
Já conseguiu 109 adesões.
Os produtores de São Joaquim
dizem acreditar que os adolescentes não são prejudicados com o
trabalho. "É uma forma de suplementar a renda familiar e de não
se tornarem delinqüentes", afirma o fruticultor Elson Outuki.
Sem autorização
Há casos em que os adolescentes trabalham mesmo sem autorização judicial. E.G., 15, presta serviços para seu pai e também para
outro produtor de maçã. "É besteira ter autorização. Se os fiscais
pegam, multam de qualquer jeito." Ele estuda de manhã e trabalha à tarde. "O mais chato é trabalhar em cima da banqueta [espécie de escada de um 1,5 m], porque posso cair." A parte boa, diz, é
poder comprar o que gosta.
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