São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CEDO NA LUTA

Em São Joaquim (SC), juiz autorizou jovens a realizar serviço considerado penoso pelo Ministério do Trabalho

Adolescentes vão à Justiça para colher maçã

AFRA BALAZINA
ENVIADA ESPECIAL A SÃO JOAQUIM (SC)

Aos 15 anos, ele trabalha oito horas por dia, sem reclamar, em uma plantação de maçã. Mora em um sítio, parou de estudar na 6ª série do ensino fundamental e seus maiores objetivos são comprar um aparelho de som e se tornar motorista de caminhão.
Anderson Carvalho vive em São Joaquim (SC), conhecida como a "cidade da neve" e uma das maiores produtoras de maçã do país. Ganha R$ 350 por mês. Assim como outros 40 adolescentes da cidade, obteve autorização judicial para trabalhar.
A lei do aprendiz, de 2000, não permite que o trabalho de adolescentes entre 14 e 16 anos ultrapasse seis horas diárias. Quando prolongado por um período de oito horas, deve incluir também a realização de atividades teóricas -o que não ocorre em São Joaquim.
Bastante polêmica, a autorização para o trabalho de adolescentes dessa idade tem sofrido oposição do Ministério do Trabalho. Na opinião da médica e auditora fiscal Christine Sodré Fortes, a colheita e o raleio de maçã (retirada de frutas excedentes das árvores) são penosos e não deveriam ser feitos por adolescentes.
"No raleio, os trabalhadores sobem em escadas, com uma tesoura, para cortar as frutas. Existe o perigo de cair ou de se cortar. Já na colheita, carregam bolsas pesadas, que prejudicam as costas, e são expostos aos agrotóxicos."
O Epagri (órgão estadual de pesquisa agropecuária) confirma a ocorrência de intoxicações e quedas de escada envolvendo trabalhadores da maçã, mas não possui estatísticas.
Durante o raleio, os adolescentes enfrentam ao mesmo tempo o sol e frio -nesta época faz 8C na cidade pela manhã. Eles ficam numa turma de cinco pessoas e conversam enquanto realizam o serviço. Alguns grupos trazem rádios para animar o trabalho.
No período da colheita, a rotina fica mais difícil. Os jovens carregam até 10 kg de maçã numa bolsa parecida com a de um carteiro e buscam as frutas desde a parte inferior até o topo das árvores. "Às vezes cansa um pouco, mas a gente acostuma", afirma Anderson.
Segundo o juiz da Infância e da Adolescência Ronaldo Denardi, que concede os alvarás, trata-se de uma "grande hipocrisia" não permitir que os jovens trabalhem.
"As famílias que pedem para o filho trabalhar são muito simples e o fazem por necessidade de sobrevivência. Os pais argumentam que o trabalho é importante para a educação deles, para que tenham senso de responsabilidade e para que não fiquem no ócio, com as conseqüências disso", diz.
Dos 22,8 mil habitantes da cidade, 9,4 mil (ou 41,2%) vivem com até três salários mínimos, segundo o IBGE. Mas o custo de vida é alto. Em razão da localização (perto da bela Serra do Rio do Rastro) e da dificuldade de acesso, os produtos chegam mais caro. O litro da gasolina custa R$ 2,89 -em São Paulo, sai por 2,39.
O trabalho de adolescentes é visto como algo natural pelos moradores. O juiz começou a trabalhar aos 12 anos. "Por três anos, exerci trabalho absolutamente insalubre e relativamente perigoso: era auxiliar de chapeador, consertava carros batidos. Apesar de não defender esse tipo de trabalho, tenho muito respeito pelo que aprendi naquela época", afirma.
Ao pedir a autorização, a família informa sua renda e justifica a necessidade de o jovem trabalhar. O empregador faz um requerimento, em que menciona o salário do adolescente e quantas horas ele trabalhará. Um dos requisitos para obter a permissão é o jovem estudar, mas o juiz diz que essa não é uma regra absoluta.
Os fiscais do ministério encontraram 20 adolescentes com menos de 16 anos trabalhando na cidade. Mesmo com autorização judicial, empregadores foram multados. O juiz ameaçou prender os fiscais por desobediência, mas eles obtiveram liminar que os libera de continuar a multar.
A mãe de Anderson, Justina Moraes, 36, que também trabalha numa plantação, organizou um abaixo-assinado ao saber que o filho poderia ter de deixar o pomar. Já conseguiu 109 adesões.
Os produtores de São Joaquim dizem acreditar que os adolescentes não são prejudicados com o trabalho. "É uma forma de suplementar a renda familiar e de não se tornarem delinqüentes", afirma o fruticultor Elson Outuki.

Sem autorização
Há casos em que os adolescentes trabalham mesmo sem autorização judicial. E.G., 15, presta serviços para seu pai e também para outro produtor de maçã. "É besteira ter autorização. Se os fiscais pegam, multam de qualquer jeito." Ele estuda de manhã e trabalha à tarde. "O mais chato é trabalhar em cima da banqueta [espécie de escada de um 1,5 m], porque posso cair." A parte boa, diz, é poder comprar o que gosta.


Texto Anterior: Apito do cidadão: Entre os animais, rato é o maior intruso
Próximo Texto: Unicef critica trabalho que sacrifica estudo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.