São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 1998

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LEIS
Homossexual expõe vida na Justiça enquanto espera lei

EUNICE NUNES
especial para a Folha

Aos poucos, o Judiciário começa a reconhecer direitos de casais homossexuais. Quando isso não é possível -a lei brasileira não legitima a união entre pessoas do mesmo sexo-, a Justiça tem encontrado formas de não deixar essas pessoas totalmente desamparadas.
O "casamento" de homossexuais é questão polêmica no mundo inteiro. Devido especialmente a pressões de ordem religiosa, a maioria dos países não autoriza esse tipo de união.
No Brasil, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que disciplina a "parceria civil" entre pessoas do mesmo sexo (leia texto abaixo).
Enquanto a lei não vem, resta aos casais homossexuais que se sentirem lesados em seus direitos recorrer ao Judiciário.
É o caso de Isabel e Ana (nomes fictícios), que estão juntas há 14 anos. Desde 1994, Isabel tentava incluir Ana no seu plano de saúde, na qualidade de sua companheira.
Não conseguiu. A empresa alegava que a inclusão de companheiro (a) em seus quadros, conforme previsto no contrato, aplicava-se apenas à união entre homem e mulher.
Passaram-se alguns anos desde a negativa da empresa, mas no final do ano passado Isabel criou coragem e resolveu entrar na Justiça.
Em janeiro, Isabel obteve uma liminar (decisão provisória) do juiz Luiz Burza Neto, da 14ª Vara Cível de São Paulo, que determinou a inclusão de sua companheira nos quadros do plano de saúde.
A empresa tenta cassar a liminar no Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, mas, por ora, o pedido de cassação não foi aceito.
"É difícil enfrentar o sistema. Entrar na Justiça significava expor a minha vida pessoal, portanto foi uma decisão difícil de tomar. Mas valeu a pena, pois o juiz teve sensibilidade e foi justo. Graças a ele, Ana pode hoje usufruir do plano de saúde", diz Isabel.
Rosana Chiavassa, advogada de Isabel, fundamenta a ação na Constituição Federal, que garante a dignidade das pessoas, proíbe a discriminação sexual e estabelece que todos são iguais perante a lei.
Chiavassa baseia-se também na Convenção Americana de Direitos Humanos, segundo a qual é ilegítima a interferência na vida sexual.
O advogado Ricardo Penteado, especialista em direito de família, entende que a Constituição não limitou a família ao casamento e à união entre homem e mulher.
"A família é uma forma de organização social. E a sociedade vem admitindo a união amorosa e estável entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, o Judiciário deve evoluir e reconhecer a legitimidade dessa união, como forma de organização social com caráter familiar", afirma Penteado.
Ele recomenda que os casais homossexuais estabeleçam, por meio de contrato, as condições que regem a sua união.
"É uma proteção para ambos, especialmente em caso de separação ou morte de um dos membros do casal. Como há regras preestabelecidas, a divisão dos bens fica muito mais fácil", informa.



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