|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LETRAS JURÍDICAS
Bens de homossexuais
WALTER CENEVIVA
da equipe de articulistas
O Carnaval suscita sempre
temas relacionados com a homossexualidade, um dos
quais dá assunto para a coluna. Quer o leitor se inclua no
grupo dos que encaram o homossexualismo como doença,
como opção de vida ou como
sem-vergonhice, a relação homossexual estável tem repercussão jurídica da qual a sociedade contemporânea não
tem como fugir.
Trata-se dos bens adquiridos por dois homossexuais, na
constância de relação permanente entre eles, quando os
bens sejam exclusiva ou predominantemente registrados
em nome de um deles. Nada,
portanto, vinculado ao efêmero festejo de Momo.
Estou no rol dos que entendem que a instituição do casamento, assim como a da
união estável, se destinam a
pessoas de sexos diversos. Minha convicção tem base constitucional. O constituinte de
1988 cuidou de deixar clara a
referência ao homem e à mulher para a formação da família legal. Quem pensar de modo diverso terá de, primeiro,
lutar pela reforma da Carta
Magna, nessa parte.
Tais considerações não excluem a necessidade de resguardar os direitos dos componentes de casais homossexuais, no que refere ao patrimônio comum formado por
ambos, para, assim, determinar a solução justa quando
entrem em conflito, quando
um deles fique impedido de
exercer seus direitos ou faleça.
O assunto sofreu graves distorções na opinião pública e
na mídia porque se confundiram situações diversas: a do
"casamento" de homossexuais
e a da sociedade de fato entre
eles.
A distorção quando são discutidos assuntos relacionados
com família é antiga na história do direito brasileiro. Até a
metade deste século era impensável, por exemplo, permitir que a companheira adotasse os apelidos de família do
companheiro. Durante os
muitos anos em que a Igreja
Católica impedia a adoção do
divórcio, as relações concubinárias (homem e mulher vivendo juntos, como casados)
passaram por longo processo
de aceitação social, sobretudo
quando um deles fosse casado
ou desquitado.
O reconhecimento de seus filhos, se casado um dos concubinos, era considerado uma
imoralidade e proibido no
Código Civil. Os filhos de pessoas solteiras eram registrados, mas com a anotação,
constante de suas certidões de
nascimento, e assim exibidas
por toda vida, de que eram
ilegítimos. Passaram muitos
anos para que a oposição contra essa discriminação fosse
vitoriosa.
Vê-se, portanto, que as
transformações sociais encontram resposta muito lenta nas
leis. Pode-se dizer que os novos costumes geram situações
inusitadas, vindo as composições jurídicas a reboque. Não
surpreende, pois, que agora se
confunda a relação patrimonial e sucessória dos homossexuais com o casamento deles.
Todavia, reconhecer a existência da sociedade de fato
(assim como, no passado e por
muitos anos se tratou a relação concubinária por essa forma), admitir que a sociedade
de fato gera consequências
econômico-financeiras para
as quais o direito deve ter
normas compatíveis com o
justo interesse das partes, nada tem a ver com a defesa de
situações imorais, como muitos ainda sustentam.
O Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente,
apontou o bom caminho, recebendo decidido apoio do
ministro Celso de Mello, presidente do Supremo Tribunal
Federal. A mídia cuidou do
assunto como se se tratasse de
"casamento" e de direito de
herança. Não era. Cuidava-se
de resolver questões relacionadas com a formação do patrimônio pelo esforço de duas
pessoas. O acórdão do ministro Ruy Rosado reforça a importância da solução legislativa, que vem sendo corretamente defendida pela deputada Marta Suplicy, apesar da
incompreensão ainda subsistente.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|