São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS
Bens de homossexuais

WALTER CENEVIVA
da equipe de articulistas

O Carnaval suscita sempre temas relacionados com a homossexualidade, um dos quais dá assunto para a coluna. Quer o leitor se inclua no grupo dos que encaram o homossexualismo como doença, como opção de vida ou como sem-vergonhice, a relação homossexual estável tem repercussão jurídica da qual a sociedade contemporânea não tem como fugir.
Trata-se dos bens adquiridos por dois homossexuais, na constância de relação permanente entre eles, quando os bens sejam exclusiva ou predominantemente registrados em nome de um deles. Nada, portanto, vinculado ao efêmero festejo de Momo.
Estou no rol dos que entendem que a instituição do casamento, assim como a da união estável, se destinam a pessoas de sexos diversos. Minha convicção tem base constitucional. O constituinte de 1988 cuidou de deixar clara a referência ao homem e à mulher para a formação da família legal. Quem pensar de modo diverso terá de, primeiro, lutar pela reforma da Carta Magna, nessa parte.
Tais considerações não excluem a necessidade de resguardar os direitos dos componentes de casais homossexuais, no que refere ao patrimônio comum formado por ambos, para, assim, determinar a solução justa quando entrem em conflito, quando um deles fique impedido de exercer seus direitos ou faleça.
O assunto sofreu graves distorções na opinião pública e na mídia porque se confundiram situações diversas: a do "casamento" de homossexuais e a da sociedade de fato entre eles.
A distorção quando são discutidos assuntos relacionados com família é antiga na história do direito brasileiro. Até a metade deste século era impensável, por exemplo, permitir que a companheira adotasse os apelidos de família do companheiro. Durante os muitos anos em que a Igreja Católica impedia a adoção do divórcio, as relações concubinárias (homem e mulher vivendo juntos, como casados) passaram por longo processo de aceitação social, sobretudo quando um deles fosse casado ou desquitado.
O reconhecimento de seus filhos, se casado um dos concubinos, era considerado uma imoralidade e proibido no Código Civil. Os filhos de pessoas solteiras eram registrados, mas com a anotação, constante de suas certidões de nascimento, e assim exibidas por toda vida, de que eram ilegítimos. Passaram muitos anos para que a oposição contra essa discriminação fosse vitoriosa.
Vê-se, portanto, que as transformações sociais encontram resposta muito lenta nas leis. Pode-se dizer que os novos costumes geram situações inusitadas, vindo as composições jurídicas a reboque. Não surpreende, pois, que agora se confunda a relação patrimonial e sucessória dos homossexuais com o casamento deles.
Todavia, reconhecer a existência da sociedade de fato (assim como, no passado e por muitos anos se tratou a relação concubinária por essa forma), admitir que a sociedade de fato gera consequências econômico-financeiras para as quais o direito deve ter normas compatíveis com o justo interesse das partes, nada tem a ver com a defesa de situações imorais, como muitos ainda sustentam.
O Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente, apontou o bom caminho, recebendo decidido apoio do ministro Celso de Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal. A mídia cuidou do assunto como se se tratasse de "casamento" e de direito de herança. Não era. Cuidava-se de resolver questões relacionadas com a formação do patrimônio pelo esforço de duas pessoas. O acórdão do ministro Ruy Rosado reforça a importância da solução legislativa, que vem sendo corretamente defendida pela deputada Marta Suplicy, apesar da incompreensão ainda subsistente.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.