São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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SEGURANÇA

Retirados por policiais do Centro de Observação Criminológica, dois detentos são devolvidos machucados dias depois

Presos fogem em carro "camuflado" da PM

DA REPORTAGEM LOCAL

Pelo telefone, o tenente H., do Gradi, avisa a direção do Centro de Observação Criminológica que dois presos, levados do local pela própria polícia dias antes, iriam ser devolvidos. Uma hora depois, o primeiro chega de ambulância, com o fêmur quebrado. Mais dez minutos e o segundo chega no carro da PM, com suspeita de fratura na costela. Os dois apresentam hematomas por todo o corpo. Teriam sofrido um acidente durante a fuga, segundo a PM.
Um deles, porém, revelou não se tratar de uma ocorrência comum de fuga e recaptura de preso. No dia seguinte, em depoimento no COC, ele colocou no papel uma história de recrutamento malsucedido de presos pela PM que envolveu promessa de vantagens, traição, fuga de detentos em um carro descaracterizado da PM, cerco policial e suposta prática de tortura.
Parte da história é confirmada pelo próprio Gradi, em documento reservado da PM encaminhado ao juiz-corregedor dos presídios, Octávio Augusto Machado de Barros Filho, ao qual a Folha teve acesso. Só que na versão da PM não existem promessa de vantagem e tortura de presos.
Os relatos do preso e da polícia coincidem em apontar que o alvo da "parceria" era uma quadrilha composta por membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), que pretendia assaltar um hotel no Guarujá (litoral paulista).
Na teoria, os presos iriam se infiltrar no grupo e descobrir detalhes da ação para que a PM pudesse atuar. Na prática, eles receberam telefones celulares, um carro, dormiram no quartel da PM e puderam participar de festas. Um dos presos até visitou a família.
Foram seis pedidos de saída dos presos do COC -com duração de um dia cada-, em março, assinados pelo juiz-corregedor. Na justificativa dos pedidos, os presos são retirados da cadeia para "efetuar oitivas" -depoimento, reconhecimento de pessoas ou coisas mais simples. Não é mencionada a participação de presos em operações policiais ou possível infiltração em quadrilhas.
Em um sétimo pedido, datado de 27 de março, a dupla é "cedida" para o Gradi por 30 dias. Quatro dias depois, porém, os dois condenados -o primeiro a 40 anos por roubo e receptação e o segundo a 22 anos por roubo e homicídio- são devolvidos ao COC com várias lesões pelo corpo.
No meio da operação de infiltração, algo deu errado. Sozinhos em um Celta descaracterizado da PM, os dois presos foram para o suposto encontro com a quadrilha, na zona sul, na tarde de 30 de março. Eles receberam as chaves do carro porque a PM temia que os policiais fossem reconhecidos.
Em depoimento, um dos presos disse que ele e o colega fugiram ao saber que o grupo tinha descoberto que trabalhavam para a polícia. Segundo ele, ficaram com medo da reação dos PMs e resolveram pedir ajuda a uma ONG de direitos humanos localizada no Brooklin. Para a PM, a dupla aproveitou a oportunidade para escapar.
Às 7h30 do dia 31 de março, a casa foi cercada por cerca de 30 homens da PM -oito deles à paisana. Outros dois presos que também colaboraram com a polícia foram convocados para a ação.
A polícia afirma que um preso se feriu ao tentar pular a janela, localizada no segundo andar da casa. O outro teria caído da escada. No depoimento, o preso disse que levou socos, chutes e coronhadas.
Moradores viram quando os dois presos foram colocados, agora algemados, em um automóvel descaracterizado. A PM diz que encontrou na casa carteiras de identidade e carteiras de habilitação em branco e maconha.
A partir daí, a operação policial virou um mistério na vizinhança. Ninguém foi chamado para depor. Moradores estranharam que nem a perícia apareceu. Um vizinho procurou explicação em noticiários e até no site da PM, mas não teve resposta.
Nem o proprietário da casa, que a mantinha alugada, soube o que causou o prejuízo do telhado quebrado da garagem e tiros na parede. Ele reclama que nunca foi procurado pela polícia.
Os dois presos continuam no sistema prisional, sem nenhum esquema de proteção. Segundo familiares que os visitaram, eles convivem com outros detentos e não estão no "seguro" -onde ficam os presos com risco de ser atacados por colegas.


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