São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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BABEL PAULISTANA

São pelo menos 1,077 milhão de pessoas em favelas, cortiços, ruas e "buracos" de SP; população supera a de 15 capitais

Favelados e "sem-casa" são 13ª cidade do país

Antônio Gaudério/ Folha Imagem
Isabel Bucklancaster, 64, que mora há 25 anos numa gruta no Jardim Paraná, zona norte de SP; lá há apenas uma cama e uma torneira


SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

A quantidade de pessoas que vivem em favelas, ruas, cortiços ou "mocós" em São Paulo já supera os habitantes de 15 das 26 capitais do país e de cidades como Guarulhos (SP) e Nova Iguaçu (RJ). São pelo menos 1,077 milhão: 1 em cada 10 moradores da capital. Uma legião que, se agrupada, formaria o 13º maior município do país.
O levantamento foi feito pela Folha a partir da base de dados do Censo 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do último levantamento feito pela administração municipal, também em 2000, para apurar o número de moradores de rua, que não são recenseados.
Os dados revelam um movimento social preocupante. No Censo de 1991, eram 743.468 pessoas que viviam na capital em imóveis ou espaços não adequados à habitação. Em 2000, o grupo já havia crescido 45%. No mesmo período, porém, a população total da cidade aumentara apenas 8%.
A explosão populacional aconteceu entre os sem-teto e as pessoas que vivem no que o IBGE define como aglomerado subnormal (favela), cômodo (cortiço) e domicílio improvisado ("mocó").
O domicílio improvisado, pelo conceito do instituto, é toda instalação fixa que não deveria, em tese, servir de moradia -como prédios em construção, postos de saúde, vagões de trem, buracos, carroças, tendas, grutas etc.
"Com raríssimas exceções, como barcos, por exemplo, os domicílios improvisados são os mais precários, problemáticos e carentes", diz Marco Antonio Alexandre, coordenador do Censo 2000.
E foi exatamente o número de moradores desses domicílios precários o que mais aumentou nos anos 90: 101%, seguido pela população de rua -80% (veja quadro). Em números absolutos isso significa que cerca de 21 mil pessoas passaram a improvisar -e mais 3.651 foram viver na rua.

Dominó da exclusão
"Esse dado [o aumento de moradores de domicílios improvisados" me chamou a atenção. Isso pode sugerir que a situação, que já era ruim, está ficando ainda pior", diz o economista Amilton Moretto, professor da Unicamp e assessor técnico da Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo.
O raciocínio é simples: a perda de renda pode estar pressionando a população paulistana em direção à base da ladeira habitacional.
Assim, de forma genérica, seria possível dizer que, nos anos 90, a classe média se favelizou, o favelado se encortiçou e o encortiçado improvisou ou foi para a rua.
O empobrecimento da população paulistana também aparece nos dados do IBGE. A renda média do chefe de família aumentou 29,8% na cidade -12 pontos a menos do que no geral do país.
O aumento médio, porém, não mostra que uns -os mais pobres- empobreceram mais que outros -os mais ricos. Na Vila Leopoldina, por exemplo, a renda média do chefe de família cresceu 79,11% nos anos 90. Em Marsilac, na borda da cidade, caiu 10,96%.
A queda de algumas regiões é puxada pelo aumento dos chefes de domicílio sem renda. Eles eram 123.638 em 1991 e passaram a 311.318 em 2000 -um aumento de 152% em números absolutos e um crescimento de 5,8 pontos percentuais em relação ao total.

Dados otimistas
Apesar de assustadores, tudo indica que os dados do IBGE pintam um cenário otimista.
Isso porque o instituto considera favela (aglomerado subnormal) só o "conjunto constituído por um mínimo de 51 unidades habitacionais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno alheio, disposto, em geral, de forma desordenada e densa e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais".
Isso deixa de fora um número indefinido de pequenas aglomerações com menos de 51 barracos. "Não há dúvida, faltam outras variáveis para precisar o real déficit habitacional", diz Marco Alexandre, do IBGE. "Por um lado, há boas construções encravadas em aglomerados subnormais [favelas". Por outro, não estão contados, por exemplo, ocupantes desses pequenos aglomerados nem pessoas que vivem em condições não ideais em áreas mais nobres."


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