São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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Pessoas residem em cavernas dentro de viadutos

BRUNO LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto a Prefeitura de São Paulo coloca grades embaixo dos viadutos para evitar a ocupação por moradores de rua, pessoas vivem em cavernas dentro do próprio viaduto. Onze pessoas moram em três buracos feitos no muro de alvenaria construído sob o viaduto Pires do Rio, na Radial Leste (zona leste de São Paulo).
O viaduto é um dos 25 que, segundo a Secretaria de Assistência Social, devem sofrer intervenção até o fim do ano para a retirada de pessoas. Também há 18 barracos montados no vão do Pires do Rio.
Pelo plano da prefeitura, após a desocupação, os viadutos são isolados -normalmente com grades ou alambrado- para evitar novas ocupações. Além da SAS, outras três secretarias estão envolvidas: Habitação e Desenvolvimento Urbano, Infra-estrutura Urbana e Implementação de Subprefeituras. Já foram investidos R$ 2,5 milhões no programa.
A SAS trata de maneira distinta quem mora debaixo do viaduto só com um cobertor, por exemplo, de quem tem uma "casa" montada com tábuas de madeira. Esses últimos, segundo a SAS, estavam presentes em 44 viadutos da cidade -19 já foram desocupados, e os moradores atendidos pelo programa Baixos Viadutos.
Levantamento realizado pela prefeitura, de agosto a outubro de 2001, mostrou que cerca de 1.200 pessoas viviam em moradias precárias em vãos de viadutos na cidade. Desses, 767 já teriam sido retirados das ruas. Segundo a Sehab, 552 pessoas estão em moradias alugadas pela secretaria, 167 estão em hotéis e 48, em albergues, abrigos ou casa de parentes.
A outra categoria de moradores de rua seria formada por andarilhos, que podem dormir cada dia em um local. A SAS diz que essas pessoas devem ser atendidas pelo Programa Acolher, que oferece abrigo, alimentação, banho e atividades profissionalizantes em albergues e casas de convivência.
Cerca de R$ 400 mil foram gastos desde março pela Secretaria de Implementação das Subprefeituras com o isolamento de vãos de viadutos. Segundo a SIS, das 209 áreas sob vãos de 169 viadutos existentes na cidade, 166 já sofreram algum tipo de intervenção. A secretaria informou que 118 já foram gradeadas, e 48 aguardam fechamento ou outra obra. Os dados incluem todos os viadutos desocupados, inclusive os que não tinham moradores de rua.

Toca do Tatu
Viaduto Pires do Rio, número 13. Esse é o endereço de Vilma Maria Alves Guilherme, 46, e José Augusto do Nascimento, 33, que há três meses cavaram um buraco no viaduto, escolheram um número para pintar na porta e passaram a morar no local. O trabalho durou três dias. "Aqui é uma toca de tatu", diz Nascimento.
Vilma veio do Paraná, Nascimento, do Maranhão. Moram com a ex-mulher dele, Iracema Lacerda, 44, pernambucana que passou por vários hospitais psiquiátricos, e também com a filha e um dos netos de Vilma. Há ainda duas gatas, que, segundo Vilma, "graças a Deus, comem os ratos".
A caverna tem dois cômodos com cerca de 1,80 m de altura, mas é preciso agachar para passar de um espaço a outro. Há lâmpadas, fiações por todo lado e uma TV -a energia elétrica vem de uma ligação clandestina. No quarto, há um colchão no chão, cercado por terra. Vilma diz que, à noite, sente medo. "Falta ar, parece que o teto vai cair e vou ficar enterrada. Mas penso comigo, tenho de me acostumar."
Na caverna vizinha, vive a paranaense Maria da Conceição Lima, 25, com o marido e três filhos. Ela diz morar ali há mais de dois anos. "Parece morada de bicho, mas fazer o quê?" Em uma terceira portinha, o Roberto de Orcena, 38, mora sozinho. Há cerca de um mês, caiu do viaduto quando entrava em casa e quebrou um dedo da mão. Como Rocha e Nascimento, ele trabalha com uma carroça, catando lixo.
Segundo a CET, das 17h às 20h, passam cerca de 20 mil veículos no viaduto. Dentro das cavernas, é possível ouvir o barulho de cada carro que passa.


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