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MENINAS DE ALUGUEL
De famílias egressas do campo, garotas se prostituem em bares frequentados por caminhoneiros
Filhas de migrantes alimentam exploração
DA ENVIADA ESPECIAL A SAPÉ
Severino Guilhermino de Souza, 73, o "seu Bill", nunca usou um
par de sapatos. Seus pés, maltratados pelo trabalho no campo, só
cabem em alpargatas de um modelo que já nem se fabrica mais.
Também já é passado o sonho
que fez com que ele se alistasse no
movimento das Ligas Camponesas (movimento popular que antecedeu o MST no Nordeste) no
início dos anos 60.
"Sempre soubemos que fora do
campo viveríamos no inferno",
diz seu Bill, que mora em Sapé (50
km de João Pessoa) e assiste às netas das famílias egressas do campo serem contabilizadas nas estatísticas de prostituição infantil.
De acordo com a estimativa da
Pastoral do Menor em Sapé, pelo
menos 70 adolescentes se prostituem nas ruas e bares. Segundo
integrantes da pastoral, não há
políticas públicas de combate à
exploração sexual infantil e a ação
da polícia é inexistente.
O bar citado pelas menores ouvidas pela Folha como um dos
pontos de prostituição infantil se
chama "Cheiro de Menina". "Dá
para entender o que tem lá, né?",
pergunta Raquel, 15, que já trabalhou no local. O único projeto que
atua junto às meninas é o da pastoral, que atende apenas dez.
A exploração sexual em Sapé se
mistura à história da luta pela terra. Muitas meninas prostitutas vivem nos bairros mais pobres da
cidade, habitados por famílias
que migraram do campo.
Isso ocorre, por exemplo, nas
chamadas "Cubas", bairros fundados por famílias que migraram
do campo em razão do enfraquecimento da atividade das usinas
de cana-de-açúcar nos anos 80.
Há duas versões desse bairro: a
Cuba de Cima, na entrada da cidade, e a Cuba de Baixo, na saída.
"Os moradores das Cubas são discriminados. Dizem que o bairro
só tem prostituta e maconheiro,
mas a realidade não é bem essa",
diz Jailton Ferreira da Silva, 26,
morador da Cuba de Baixo.
Antes de se mudar para o bairro, Silva viveu com a família nas
terras da Usina Santa Helena. Ele
diz que o desemprego na Cuba de
Baixo é tão grande que é mais fácil
contar os empregados. Parte dos
moradores passa seis meses por
ano em Pernambuco, trabalhando nas usinas de cana.
O desemprego e a miséria criaram um clima favorável à desagregação familiar, explica a irmã
Maria Lúcia Cantalupo, 53, da
pastoral, que mantêm duas creches para 800 crianças em idade
pré-escolar. A instituição é mantida com doações européias. Não
recebe um tostão do governo.
Sapé é um dos municípios do
Peti (Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil), do governo federal. Mas os repasses para atividades sociais, culturais e esportivas de 400 crianças e adolescentes
estão atrasados. O programa começou em junho, mas os recursos
(R$ 20 mensais por criança) só
chegaram no mês passado.
Enquanto Maria, 16, uma menina desdentada e analfabeta, conta
sua vida, vai ficando mais fácil entender as palavras da freira.
A menina saiu de casa aos 13
anos, fugindo das surras da mãe.
Recentemente sofreu um acidente de carro e, dias depois, abortou
um feto de dois meses. "Enterrei
bem ali", diz, apontando o fundo
do quintal. "Ele era compridinho,
e as meninas disseram que isso é
forma de menino macho", diz ela.
Com o corpo dolorido, Maria
parou os programas. "Não tenho
dinheiro para comprar o leite da
minha filha." Aos sete meses, a
criança mora com a avó. Maria vive num bar no local onde os caminhoneiros fazem pernoite.
Lucila, 16, diz que as meninas
que saem com caminhoneiros
"passam um medo louco" quando entram na cabina do desconhecido. "Mas o mínimo que eles
pagam é R$ 50, e ainda são rápidos."
(GABRIELA ATHIAS)
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