São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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Adolescente divide dinheiro com a mãe

DA ENVIADA ESPECIAL A SAPÉ

Descalça, Raquel, 15, desce quase correndo o morro da Vargem do Rato, considerado o bairro mais violento de Sapé. Sorri, mas os olhos não seguem os lábios.
Quatro anos após ter entrado na prostituição para alimentar mãe e quatro irmãos, ficou doente e sem dinheiro. "Peguei uma tal de "guinorréia" [gonorréia". Sinto dor. Estão me dizendo que minha vagina vai fechar." Ela está há quase um mês sem fazer programa.

Folha - Vale a pena fazer programa?
Raquel -
Acho que não. Faz mal. Mas prefiro passar fome do que ver minha mãe passando fome.

Folha - Quanto você dava a ela?
Raquel -
Eu trabalhava um dia para ela e um dia para mim.

Folha - E se você fizesse mais de um programa por noite?
Raquel -
Um era meu. O outro, dela. Quando ficava duas ou três noites fora, ela não dormia nem comia. Eu voltava, dava dinheiro a ela, e ela comprava coisas.

Folha - É bom trabalhar no bar Cheiro de Menina?
Raquel -
Bom e ruim. Era escravidão. Ganhava R$ 25 por semana, o programa era fora. A pessoa é obrigada a beber. Se quebrar um copo, desconta. Se não beber, ele também diz que não paga.

Folha - Quanto você dava ao dono do bar por programa?
Raquel -
R$ 10.

Folha - O programa não é R$ 15?
Raquel -
Mas lá tem que dar R$ 25: R$ 10 para o dono e R$ 15 para mim. Uns tantos queriam fazer de tudo. Eu dizia: "Não é porque você está me dando R$ 15 que eu vou ter de fazer tudo com você". Eles respondiam que davam R$ 25.

Folha - E a história de ter sido pega com meio quilo de maconha?
Raquel -
Eu e uma amiga fomos de carona até Natal. Quando chegamos, fui para o hospital. O bebê já estava morto. Quando o juizado apareceu, tive de dizer que morava em Sapé. Eles disseram: "Você vai com a gente". Levei minha bolsa. Quando abri, vi uma lata de cola e maconha, mas não era meu. Botaram para me prejudicar. Ela botou as coisas e carregou as roupas. Fiquei com a roupa do corpo.

Folha - Por que foi para Natal?
Raquel -
Fiquei grávida, o cara não quis assumir. Usava maconha, cola, lança-perfume e tíner.

Folha - Com que dinheiro você comprou suas roupas?
Raquel -
Me vendendo, né?

Folha - Qual o máximo que já ganhou num programa?
Raquel -
R$ 150.

Folha - De uma só vez?
Raquel -
Não. Aí é R$ 10, R$ 15.

Folha - Policiais fazem programa com menores no Cheiro de Menina?
Raquel -
Tem uns que dão cantada. Já deram em mim várias vezes.

Folha - E os caminhoneiros?
Raquel -
Eles querem machucar. Tem de fazer tudo. Vivia nessa vida pela minha mãe. Ela toma remédio controlado. Se meu pai estivesse vivo, não deixaria. (GA)








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