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SAÚDE
Comprimidos de Cytotec contrabandeados são vendidos em farmácias e sites, causam complicações e podem até levar à morte
Abortivo falso deixa mulheres em risco
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Comprimidos falsos de Cytotec,
o remédio para úlcera gástrica
que se transformou no recurso
abortivo mais popular do Brasil,
têm provocado infecções, queimaduras e até rupturas uterinas.
Nos casos mais graves, há perda
do útero e risco de morte.
Nos últimos 12 meses, pelo menos 80 mulheres deram entrada
em hospitais públicos brasileiros
com complicações associadas ao
Cytotec falso, segundo 20 ginecologistas, enfermeiras e assistentes
sociais entrevistados pela Folha.
O Ministério da Saúde não tem
um levantamento específico sobre as complicações por abortamento provocadas por Cytotec,
segundo a assessoria de imprensa. No ano passado, os abortos espontâneos e inseguros foram responsáveis por 243.998 internações nos hospitais do SUS, ao custo de R$ 35 milhões.
Desde 1998, a venda do remédio
está restrita a hospitais credenciados na Anvisa (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária). Por provocar contrações uterinas, ele é
utilizado na obstetrícia para induzir partos. Também é fornecido
aos serviços de aborto legal.
No entanto, a droga tem chegado ao país contrabandeada do Paraguai, dos EUA e da Europa,
conforme a Folha apurou em sete
farmácias nas zonas norte e sul de
São Paulo e em sites na internet
que anunciam a venda do produto. Mulheres também relatam ter
comprado de camelôs.
Cada comprimido custa, em
média, de R$ 50 a R$ 100 -elas
usam, no mínimo, quatro. Na internet, os anúncios dizem garantir o envio dos comprimidos em
até 24 horas. "Vendo Cytotec original. R$ 200 quatro comprimidos. Vem dos EUA. Garanto 100%
de efeito e segurança", diz um
anúncio disponível na rede. A Folha tentou contatar, por e-mail, os
autores de dez mensagens, mas
não obteve resposta.
Por ser um produto contrabandeado, ninguém sabe ao certo a
sua composição. A suspeita dos
médicos é que muitos sejam placebo, já que as mulheres relatam a
ausência de efeitos. Outra possibilidade é que a droga contenha baixa dosagem da substância misoprostol -princípio ativo do
Cytotec-, insuficiente para a expulsão do feto.
Sem conseguir o efeito esperado
(o aborto), as mulheres chegam a
quadruplicar a dose normalmente usada em países onde o aborto
é legal -quatro comprimidos-,
segundo relatos de médicos.
"Atendi uma jovem de 17 anos
grávida que tinha ingerido e introduzido na vagina 16 comprimidos. Sofreu uma infecção grave. Precisou ficar vários dias internada, tomando antibióticos e por
pouco não perdeu o útero", diz o
ginecologista Jorge Andalaft Neto, do Hospital do Jabaquara.
Segundo ele, o cenário é recorrente. A mulher usa os comprimidos, começa a sangrar e pensa que
abortou. Com o passar dos dias, o
sangramento se transforma em
meio de cultura para as bactérias
da região da vagina e, rapidamente, a mulher adquire uma infecção, que pode levar à perda do
útero e até à morte.
"Percebemos que, após a entrada do Cytotec contrabandeado no
mercado brasileiro, as complicações aumentaram", afirma Andalaft , coordenador da comissão de
violência sexual da Febrasgo (federação que reúne as sociedades
de ginecologia e obstetrícia).
O ginecologista Jefferson Drezett, do Hospital Pérola Byngton,
acredita que as complicações possam estar ocorrendo em razão de
erros no uso do remédio. Nos países onde o aborto é legal, a OMS
(Organização Mundial da Saúde)
preconiza quatro comprimidos
até a 12ª semana de gestação. Acima desse período, a dose deve ser
reduzida pela metade.
A pesquisadora Eleonora Menegucci, do departamento de medicina preventiva da Unifesp
(Universidade Federal de São
Paulo), diz que existe uma máfia
por trás da venda de falsos Cytotecs em farmácias da periferia.
"Há uma rede grande de contrabando e muita gente ganhando
em cima de mulheres desesperadas. Além de perderem muito dinheiro, elas correm riscos", diz.
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