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MOACYR SCLIAR
Biocombustível Cientistas de Cingapura criaram uma bateria que gera eletricidade a
partir da urina. Folha Online, 17 de agosto de 2005
Quando leram sobre a bateria inventada pelos cientistas de Cingapura, os quatro ficaram alvoroçados. Cientistas amadores, eles se reuniam há anos para discutir projetos e inventos que
em geral nunca saíam do papel.
Mas a idéia da bateria de urina
parecia sensacional. Como disse
um deles, o mais entusiasta do
grupo, tal invento revolucionaria
o nosso mundo: uma fonte de
energia completamente alternativa que poderia figurar com destaque ao lado do biodiesel e do álcool. Seria também uma colaboração para o saneamento básico.
Por último, e não menos importante do ponto de vista simbólico,
recuperaria um produto do organismo sempre desprezado. "Sai
na urina" era uma frase que ninguém mais diria. Lançaram-se,
pois, ao trabalho.
A bateria de Cingapura na verdade era um microchip, para uso
em equipamento médico miniaturizado. A bateria que eles pretendiam era outra, uma fonte de
energia capaz de mover um carro
elétrico, por exemplo, assim ajudando a acabar com a crise do petróleo. Depois de muita pesquisa e
depois de muitos esforços conseguiram fabricar a tal bateria.
Com uns 50 centímetros de altura
e outros tantos de largura não era
pequena; além disso, tinha acoplado um tanque onde seria depositada a urina que, através de
uma reação química, produziria
a eletricidade.
Os primeiros testes se revelaram
satisfatórios e eles estavam muito
contentes, mas aí se depararam
com um problema. Como era de
esperar, a bateria consumia urina. Mas não era pouca urina. Para mantê-la funcionando, os quatro tinham de fazer generosas
contribuições, e mesmo assim não
era suficiente. De modo que se viram diante de uma questão -como aumentar a produção de sua
própria urina? Foi aí que um deles se lembrou da cerveja, da qual
todos gostavam. Cerveja, como se
sabe, faz urinar; e graças às enormes quantidades que tomavam,
urinavam muito. Ficaram alegrinhos, também, mas isso só fazia
aumentar o otimismo deles.
Logo se deram conta de que cerveja não era suficiente. Precisavam de mais urina. Há substâncias que fazem urinar, os diuréticos, mas aí eles teriam de correr a
toda a hora para o banheiro e
corriam o risco da desidratação.
Isso sem falar na relação custo-benefício: com o que já tinham
gasto em cerveja e com o que gastariam em diuréticos, provavelmente a bateria deixaria de ser
rentável.
Acabaram abandonando o projeto. A bateria ainda está lá, no
banheiro do escritório que eles
partilham. Cada vez que um deles
entra para fazer xixi, a geringonça solta umas faíscas. É, por assim
dizer, uma manifestação de esperança, de confiança na imaginação criativa dos cientistas amadores.
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha
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