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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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CRIME ORGANIZADO

Quantidade de maconha e cocaína apreendidas em 2002, porém, não representa queda da atividade criminosa

Brasil bate recorde de apreensão de drogas

Carlos Moraes/Agência O Dia
olicial vistoria caminhão apreendido com 7 toneladas de maconha, na Via Dutra (RJ), no início do mês


MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

A Polícia Federal bateu no ano passado seu recorde histórico de apreensão de maconha, registrou o maior volume de cocaína apreendida desde 1994 e alcançou uma quantidade inédita de indiciamentos por tráfico de drogas. Mesmo assim, não houve sinais de queda da atividade de narcotraficantes ou de desabastecimento de drogas.
A apreensão de cocaína foi de 9,2 toneladas, 11% maior que em 2001. Só foi menor que em 1994, quando o resultado de 11,8 toneladas foi engordado pelas 7,4 toneladas apreendidas em Tocantins, até então o maior flagrante de todos os tempos no país.
A PF nunca recolheu tanta maconha como em 2002: foram 191 toneladas, 30% a mais que em 2001 e 21 vezes mais que em 1993.
Os indiciamentos (formalização da suspeita, num inquérito policial, de que alguém tenha cometido determinado crime) cresceram 27% em comparação com 2001 e 47% em relação a 2000. Chegaram a 3.555. Nunca foram tantos, considerando a tabela estatística da PF, que começa em 1990.
Os dados sobre apreensões constam do relatório sobre 2002 da DRE (Divisão de Prevenção e Repressão a Entorpecentes) da PF, ainda em elaboração.
Há pelo menos três hipóteses na interpretação sobre a apreensão de drogas: ou o tráfico se intensificou ou a polícia foi mais eficiente ou a combinação de ambas.
""Não temos metodologia para dizer se estamos trabalhando com maior eficiência ou se há maior oferta de droga", afirma o delegado Getúlio Bezerra, 57, chefe da DRE há três anos. Não existe avaliação que permita concluir, segundo ele, que o tráfico tenha aumentado ou diminuído.

Repressão
Embora as apreensões sejam um indicador indireto, elas permitem uma boa projeção ""das tendências do tráfico de drogas", segundo um informe da Comissão de Estupefacientes das Nações Unidas que será apresentado em Viena no dia 8 de abril.
O Brasil, a rigor, não sabe qual é a quantidade de drogas ilícitas que apreende. O Fundo Nacional de Segurança Pública distribuiu R$ 304 milhões no ano passado, mas o país não tem um mecanismo, simples, para somar as apreensões registradas pela PF e pelas polícias dos Estados.
Num informe da Polícia Federal citado no ""Relatório Sobre Estratégia Internacional de Controle de Narcóticos", do Departamento de Estado dos EUA, a PF estima responder por 75% das apreensões no Brasil. O relatório norte-americano foi divulgado no dia 1º de março.
As 9,2 toneladas de cocaína recolhidas em 2002 representariam 2,7% das apreensões mundiais (338 toneladas), conforme os últimos dados disponíveis, da ONU, sobre 2001. A comparação não pode ser automática.
O Brasil fica ao lado dos maiores centros produtores (Colômbia, Peru e Bolívia). Aqui, a cocaína costuma ser mais pura do que a que segue para outros continentes, inclusive pelo território brasileiro, já bastante misturada com o pó de outros produtos.
No Centro-Oeste foram recolhidos 54% da maconha, cujo maior fornecedor do mercado brasileiro é o Paraguai. No Sudeste, a maioria da cocaína (52%) apreendida. Os maiores volumes, em boa parte, foram monitorados pela PF desde a entrada no Brasil.
O aumento da repressão sugerido pelo crescimento das apreensões e a aparente intocada robustez do narcotráfico indicam que ""os esforços não foram suficientes", diz o diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, 57.
""A repressão tem que ser mais forte. A linha está certa. A dimensão talvez não esteja ainda adequada. Por outro lado, é muito importante intensificar a prevenção. Se não se reduzir a demanda por meio da conscientização, o quadro não vai melhorar. Se há comprador, há sempre oferta."
O ano de 2003 terá aumento de apreensão de ecstasy, uma droga sintética que se expandiu a partir de clubes noturnos. Na quinta-feira a PF apreendeu no Rio mais que as 15.804 pílulas encontradas no país em 2002.

Fragmentação
No que o tráfico é mais rentável, a cocaína, o Brasil continua sendo considerado pelo Departamento de Estado dos EUA um dos 23 países com maior produção ou trânsito de drogas (o Brasil é país de passagem), um dos nove que mais fornecem precursores (produtos químicos essenciais para a fabricação de drogas como a cocaína) e um dos 53 de maior lavagem de dinheiro, além de grande consumidor (o campeão são os EUA).
O diagnóstico do governo brasileiro sobre as organizações criminosas do narcotráfico é o mesmo da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara que investigou o tráfico até 2000: existem redes criminosas fragmentadas, não uma holding ou empresa-mãe do narcotráfico.
Lacerda, que assessorou a CPI, mantém a avaliação. ""Não existe uma empresa que controle todas as organizações criminosas." Na sua opinião, embora a possível centralização do tráfico significasse uma organização mais poderosa, facilitaria o trabalho policial. ""Direcionaríamos os esforços. Detectamos a metodologia, começamos a destruir. Com organizações disseminadas, cada uma trabalha sob a ótica do seu comandante. É mais difícil."
""No tráfico de cocaína não há monopólio", diz Bezerra. ""O monopólio está vinculado aos centros de produção. Como o Brasil não produz, aqui há um mercado competitivo. É lobo comendo lobo. Os traficantes daqui estão muito mais ligados à distribuição, ao transporte."
Bezerra observa que na Colômbia, maior produtor mundial, houve fragmentação dos cartéis da cocaína em dezenas de quadrilhas. No Brasil também é assim: as redes criminosas se unem para certas operações, mas não constituem uma organização comum.

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